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| Foto: Pedro Serapio/Gazeta do Povo

Antes da Lei do Saneamento de 2007, dizíamos que para resolver nosso déficit do setor necessitaríamos de duas coisas: um novo marco regulatório para substituir o Planasa dos anos 1970 e um endereço no governo federal. Já faz dez anos que obtivemos as duas conquistas e não resolvemos o nosso déficit.

Pode parecer normal, pois esse déficit levará mais de dez anos para ser resolvido, mas não é isso que preocupa mais. É o fato de a expectativa que criamos tanto para o marco quanto para o endereço não ter sido atingida. Os avanços ocorreram, sim, mas pífios, tanto que nesse ritmo não atingiremos a tão sonhada universalização antes de 2060 – no mínimo, uns 20 anos a mais que o previsto, que era de 30 anos. Onde erramos?

A única saída para o saneamento é sua aplicação rigorosa por todos, sem exceção

O Plano Nacional de Saneamento (Planasa), dos anos 1970, gerou avanços consideráveis com um volume de investimento da ordem de US$ 15 bilhões ao longo de 15 anos. O nosso novo marco atual é mais complexo e mais completo, pois foi definido em meio a uma democracia, passou por negociações no Congresso e, finalmente, saiu do papel depois de mais de 20 anos de reflexões, discussões e negociações. É, sem dúvida, um bom marco: dinâmico, flexível e adequado às diversidades regionais do nosso país. Mas ficou solto no meio de um setor politizado e desestruturado que foi incapaz de entender que a única saída para o saneamento é sua aplicação rigorosa por todos, sem exceção. Os seus três pilares – planejamento, regulação e regularização – parecem tão lógicos e simples, mas, no saneamento, se tornam irracionais e polêmicos.

Os principais prestadores de serviços públicos de água e esgoto são, até hoje, as companhias estaduais de saneamento básico e as autarquias municipais, que se recusam a abandonar os conceitos autoritários do Planasa para aplicar os conceitos democráticos do novo marco. Não querem planejar, não querem ser reguladas e não aceitam regularizar suas situações perante a nova legislação. Culpam os outros pela sua incompetência e incapacidade de cumprir com sua obrigação.

Os governos, que deveriam ser os guardiões do novo marco, são reféns das suas companhias ou autarquias públicas e se abraçam a elas como cegos para serem guiados. Não enxergam que a saída passa por mudar e aplicar as novas ferramentas modernas de gestão pública aportadas pelo conjunto de leis que compõem o marco regulatório do setor. Preferem utilizá-las para fazer política em vez de fazer saneamento.

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Houve quem achasse que necessitaríamos de uma crise, seja hídrica ou sanitária, para que fôssemos capazes de reagir. A crise hídrica passou por regiões importantes do país e foi embora deixando pouco aprendizado, apenas o alívio de ter acabado.

Temos de ter consciência de que a solução para sair desse círculo vicioso, que nos faz rodar em volta do marco há dez anos, é ter vontade e coragem política. Nossas necessidades hoje são diferentes das dos anos 1970. Estamos em uma democracia na qual os governos devem aplicar a lei, serem responsabilizados por isso e prestar contas à sociedade. É inaceitável que o saneamento continue vivendo sob um modelo de regime totalitário que o mantém como um dos piores setores da nossa infraestrutura.

Yves Besse é diretor-geral de Projetos para a América Latina da Veolia Water Technologies.
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