Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Artigo

A anistia é o único caminho para a paz

Veja como cada deputado votou no pedido de urgência da anistia
Câmara aprovou o requerimento de urgência que acelera tramitação do projeto de lei da anistia. Veja como cada deputado votou. (Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados)

Ouça este conteúdo

O eminente professor Christian Lynch publicou longo artigo na Folha de São Paulo procurando emprestar seu inegável prestígio científico à tese política de que a anistia aos manifestantes do 8 de janeiro não pacificará o país, mas enfraquecerá a democracia e incentivará novas agitações e tentativas de ruptura institucional, repetindo um vício histórico da política brasileira.

Sinto-me no dever de divergir do ilustre professor: o que ele chama de vício, eu vejo como virtude. No fundo, Lynch busca rejeitar um traço tradicional da política brasileira, que nos permitiu constituir como nação e manter o Brasil unido até nossos dias: a constante superação dos conflitos pela conciliação. Em todas as etapas da evolução histórica de nossa pátria, têm sido os conflitos políticos seguidos de anistias, tanto mais prontamente quanto mais patrióticas e esclarecidas eram as classes dirigentes na ocasião. Caxias debelou as revoltas que ameaçaram a unidade nacional no século XIX não só pela força das armas, como também pelas cartas de anistia que portava. No século XX, Vicente Rao, anistiado por sua participação na guerra de 1932, dois anos depois tornou-se ministro da Justiça do mesmo Vargas que venceu a revolta paulista.

As circunstâncias atuais impõem ao Congresso, em nome dos supremos interesses nacionais, tanto cívicos como humanitários, o dever de oferecer aos nossos concidadãos castigados pelos fatos de 8 de janeiro uma anistia ampla e fraternal, rasgo de civismo indispensável à restauração da paz política

A alegação de que a prévia esperança de anistia sirva de incitamento à rebeldia denota desconhecimento da natureza humana. Aí está a história de qualquer povo para atestar que mesmo a certeza do rigor da punição jamais impediu as revoluções e outros atentados contra a ordem. A experiência secular da humanidade atesta irrefutavelmente que os castigos mais cruéis são inteiramente ineficazes para prevenir as perturbações políticas. Pelo contrário, medidas repressivas despertam ressentimentos e deixam feridas abertas, que no futuro servirão de motivos para novas perturbações.

Cumpre não esquecer o caráter especial dos delitos políticos. Não se trata, pois, de crimes comuns, isto é, de violências cuja maldade é unanimemente reconhecida, mesmo por seus próprios autores. Em vez disso, muitas vezes os delitos políticos são motivados por sentimentos generosos e seus autores proclamam-se cumpridores de um alto dever social, e grande parte do público declara-se da mesma opinião. E, com frequência, os delitos políticos são justificados por seus autores e partidários invocando, em abono de sua conduta, o exemplo de seus próprios adversários, praticantes de procedimentos análogos aos que uns condenam nos outros. Afinal, quantas vezes, no Brasil, protestos não terminaram com a invasão de edifícios públicos?

VEJA TAMBÉM:

Seria tão frágil a democracia brasileira a ponto de abalar-se com a anistia de uma mãe de família que sujou de batom o monumento à Justiça, na praça dos Três Poderes? E, se considerarmos a desproporcionalidade das penas a que foram condenados esses manifestantes, seria difícil imaginar outro caso em que a mais sincera, fraterna e plena anistia se imponha tão claramente. Trabalhadores, pais de família, cidadãos de bem, tratados como se fossem criminosos vulgares, por conta de um momento de desespero e desorientação. Sendo que a psicologia das massas explica como as paixões superexcitadas podem arrastar aos atentados contra a ordem mesmo individualidades respeitáveis, o que lhes deveria servir de atenuante.

Contra a anistia, o professor Lynch citou o Visconde de Itaboraí, um político conservador do Império. Para me contrapor, citarei um liberal, o ministro Alves Branco, autor da primeira política industrialista consistente do Brasil, que, ao fundamentar, junto ao imperador, a proposta de anistia para a revolta em que se havia envolvido o ex-regente Feijó, proclamou: “A anistia é a primeira necessidade de um país, depois de vencida uma comoção popular”. E ainda o constitucionalista João Barbalho: “A anistia é núncia de paz e conselheira de concórdia, parece antes do Céu prudente aviso, que expediente dos homens”.

As circunstâncias atuais impõem ao Congresso, em nome dos supremos interesses nacionais, tanto cívicos como humanitários, o dever de oferecer aos nossos concidadãos castigados pelos fatos de 8 de janeiro uma anistia ampla e fraternal, rasgo de civismo indispensável à restauração da paz política e que corresponde aos generosos destinos da pátria brasileira. É como entendo.

Rodrigo R. Pedroso é procurador da Universidade de São Paulo e mestre em filosofia pela FFLCH/USP.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.