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A aposta das big techs na energia nuclear e o alerta para o Brasil

Usina Nuclear de Gundremmingen na Alemanha. (Foto: Felix König/Eigenes Werk/Wikimedia Commons)

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A decisão recente de gigantes da tecnologia como Amazon, Google e Meta de apoiar a meta global de triplicar a capacidade de energia nuclear até 2050 representa um divisor de águas para o setor energético. Além desse movimento ser um posicionamento estratégico, é uma constatação inequívoca do papel fundamental da energia nuclear na construção de um futuro sustentável e na garantia de fornecimento elétrico seguro para as próximas décadas.

O compromisso dessas big techs, anunciado no contexto de suas operações altamente intensivas em energia, sinaliza uma mudança significativa no discurso sobre transição energética. 

Até pouco tempo, o setor de tecnologia concentrava seus esforços majoritariamente na expansão das fontes renováveis, como solar e eólica. No entanto, à medida que a demanda energética dessas empresas cresce de forma exponencial — impulsionada pelo avanço da Inteligência Artificial, do armazenamento em nuvem e da digitalização da economia —, torna-se evidente que fontes intermitentes sozinhas não são suficientes para sustentar essa infraestrutura global.

Os data centers operam 24 horas por dia, 7 dias por semana, exigindo um fornecimento contínuo e estável de energia. Enquanto fontes renováveis variáveis, como eólica e solar, são essenciais para a transição energética, elas não garantem essa estabilidade. 

A necessidade de backup por meio de baterias ou termelétricas fósseis adiciona custos e impacta a pegada de carbono dessas operações. É nesse contexto que a energia nuclear se sobressai: é limpa, confiável e capaz de gerar eletricidade de forma ininterrupta, sem emissões de carbono.

Esse reconhecimento por parte das big techs reforça o que especialistas do setor nuclear vêm defendendo há anos. Grandes economias, como Estados Unidos, França e Reino Unido, já incorporaram a energia nuclear em suas estratégias de longo prazo. 

Durante a COP-28, em Dubai, 22 países assinaram um compromisso para triplicar a capacidade nuclear mundial até 2050, medida que ganhou ainda mais adesão na COP-29, no Azerbaijão. A Europa também caminha nesse sentido: a União Europeia classificou a energia nuclear como sustentável em sua taxonomia verde, um sinal claro de que a fonte tem um papel indispensável na transição energética global.

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E o Brasil?

O Brasil não pode ignorar essa tendência. O país tem uma das maiores reservas de urânio do mundo e detém tecnologia em todo o ciclo do combustível nuclear. No entanto, sua capacidade instalada ainda é modesta, com apenas duas usinas em operação (Angra 1 e 2) e uma terceira (Angra 3) que se arrasta há décadas sem conclusão.

A hesitação em expandir o setor nuclear nos coloca em uma posição vulnerável, tanto em termos de segurança energética quanto de competitividade no mercado global

O crescimento acelerado do consumo de eletricidade, impulsionado pela digitalização da economia e pelo avanço das novas tecnologias, exige que o Brasil diversifique sua matriz energética de forma realista. 

Somente com a inclusão de novas usinas nucleares — incluindo Pequenos Reatores Modulares (SMRs), que já despertam o interesse de diversos países e empresas — poderemos garantir um fornecimento de eletricidade seguro, sustentável e competitivo.

Além disso, o país precisa criar um ambiente regulatório e de financiamento que atraia investimentos privados para a energia nuclear. Hoje, as grandes empresas globais estão dispostas a investir em fontes limpas e firmes para atender às suas demandas energéticas. Se o Brasil não avançar nessa direção, perderá oportunidades de negócios e comprometerá sua posição como player relevante na transição energética.

A decisão da Amazon, Google e Meta deve servir como um alerta para o Brasil. Se as maiores empresas de tecnologia do mundo reconhecem a necessidade da energia nuclear para garantir seu crescimento sustentável, por que continuar resistindo a essa realidade? O setor elétrico brasileiro precisa olhar para o futuro com pragmatismo, deixando de lado dogmas e preconceitos que atrasam o desenvolvimento da matriz energética.

A energia nuclear não é apenas uma alternativa viável, mas uma necessidade para um país que quer crescer de forma sustentável, garantir segurança energética e atrair investimentos globais. O mundo já entendeu o papel da energia nuclear na transição energética. O Brasil precisa fazer o mesmo antes que seja tarde demais.

Celso Cunha é engenheiro eletricista com mestrado em Engenharia de Sistemas e Computação pela UFRJ. Desde 2017, preside a Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN), liderando iniciativas como a retomada das obras de Angra 3 e a ampliação do uso de tecnologias nucleares no Brasil. Reconhecido como um dos 100 executivos mais influentes do setor de energia.

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Conteúdo editado por: Aline Menezes

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