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A beleza salvará o mundo: é preciso o renascimento da arquitetura

Vista interna do altar-mor da Basílica de São Pedro, Cidade do Vaticano. (Foto: Wilfredor/Wikimedia Commons)

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“A beleza salvará o mundo.” Com esta declaração, o Príncipe Myshkin, em O Idiota, de Fiódor Dostoiévski, afirma sua crença no triunfo dos princípios transcendentes da verdade, da beleza e da bondade. Apesar da feiura frequentemente vista no mundo e da corrupção moral que corrompe as mentes e os atos dos homens, a crença de que a beleza é um caminho para a salvação persiste.

No entanto, não precisamos olhar além de nossas janelas para a feiura exposta em nossos edifícios modernos, onde a beleza e a técnica clássica foram abandonadas em favor da utilidade e da eficiência de custos. O Ocidente moderno foi assolado pelo relativismo, pelo niilismo e pela rejeição da tradição.

A crescente descrença em normas morais objetivas e a aceitação generalizada da futilidade da existência imploram pelo renascimento da virtude em indivíduos e comunidades. Mas, primeiro, precisamos de uma imagem do divino — uma imagem do belo.

À medida que o homem se afasta lentamente de seu fim celestial em busca de alternativas meramente monetárias ou mundanas, a presença da beleza nos lembra que somos feitos para algo muito maior.

Aristóteles define esse fim como "ευδαιμονία", ou felicidade. São Tomás de Aquino o chama de "beatitudo", ou conhecer e amar a Deus. Avicena o chama de "sa'ada". Esses filósofos, embora de diferentes sociedades e tradições religiosas, mostram que todos os homens, em última análise, buscam o mesmo fim — a realização em conformidade com o bem supremo da criação. A virtude, um hábito que inclina alguém para o bem, é essencial para alcançar esse objetivo. E a beleza nos lembra que o bem pode se manifestar.

Em um mundo onde valores e morais objetivos são questionados e descartados, é fácil perceber como surge uma visão desordenada da beleza. Afinal, se a verdade não é vista como objetiva, a beleza também não o é, pois ambas estão unidas.

Princípios clássicos da beleza — como harmonia, simetria e proporção, que refletem a ordem correta do mundo criado — foram abandonados. A sociedade não define mais as coisas belas como "aquelas que agradam quando vistas", como Tomás de Aquino as definiu.

O remédio para o mal da arquitetura, contudo, reside em considerar sua causa. A beleza evoca a virtude, assim como a virtude inspira a beleza. Um renascimento da beleza no mundo ao nosso redor incitará a alma a buscar a verdade e o bem.

O encontro com a beleza atrairá a vontade e o intelecto para o bem. Quando imersos em um ambiente propício ao florescimento humano, é muito mais fácil para todos nós perseverarmos na escolha do bem. Assim, a presença da bela arquitetura é o primeiro passo para a reconstrução da virtude entre os homens e as comunidades.

Mas como isso pode ser? A resposta é dupla. Primeiro, a beleza importa. As maiores civilizações são lembradas e julgadas por sua cultura, literatura, arte e arquitetura. Essas manifestações do belo, criadas pelo homem, são belas porque elevam nossas almas à contemplação da fonte divina da criação — uma fonte eterna.

A segunda razão se baseia no princípio de que a beleza reflete a ordem correta da criação, e isso se torna visível em tudo, desde uma bela construção até a alma humana justa e a própria fonte da criação.

Vivemos em uma cultura com medo de falar a verdade que o Príncipe Myshkin professa. Temos medo de fazer julgamentos de valor relativos à beleza e à bondade. Tratamos falsamente tanto o feio quanto o belo como moralmente neutros e, portanto, iguais. No entanto, essa tendência não pode persistir para sempre.

Os seres humanos são atraídos pela beleza. Essa verdade tem sido bem compreendida desde os tempos antigos. No Banquete de Platão, Diotima descreve a ascensão que deve ser feita para entender o que é a beleza em sua forma mais verdadeira.

A jornada começa com a contemplação da beleza física e progride para a beleza das almas, das ideias e de todo o conhecimento antes de chegar à forma pura da beleza em si

Essa progressão fala da necessidade de primeiro nos familiarizarmos com a beleza física. A arte, a arquitetura e as pessoas podem cumprir isso; no entanto, a arquitetura desempenha um papel único em nosso mundo, pois é difícil de ignorar e fácil de acessar. A

s pessoas não precisam se esforçar para admirar sua beleza — elas só precisam olhar para cima e refletir sobre o que encontram. A arquitetura não pode ser ignorada quando envolve o homem, e o homem é quase compelido a ser envolvido por ela.

Em última análise, isso fala da verdade da natureza humana: fomos feitos para florescer, não apenas para sobreviver. Florescer não consiste em meros fins utilitários. Assim, nossa arquitetura também não deveria.

Temos exemplos de edifícios como as grandes basílicas que salpicam a Europa e as ruínas antigas que perduraram desde a era clássica até a modernidade. O que é característico dessas estruturas é que elas possuem uma qualidade transcendente.

A arquitetura moderna é frequentemente construída da forma mais rápida e eficiente possível, com pouca consideração por sua beleza. O baixo custo dessas construções implica que elas não foram feitas para durar.

A mentalidade da sociedade moderna é criar um espaço o mais rápido e barato possível, usá-lo para se envolver em um empreendimento temporário e, em seguida, abandonar o espaço quando ele não atende a esse fim.

A beleza não é levada em consideração porque traz consigo um custo mais alto e requer uma visão de mundo fundamentalmente diferente, que não se concentra apenas no aqui e agora e na utilidade.

Esse desrespeito pela eternidade reflete a visão moderna do homem sobre sua própria vida. A Basílica de São Pedro é mais do que apenas a principal igreja para os católicos romanos; ela também incorpora uma série de obras-primas arquitetônicas e detalhes artísticos.

Arquitetura bela e funcional pode e deve coexistir. Essa parceria entre função e forma, que enfatiza tanto o propósito quanto a beleza, reflete com mais precisão a finalidade de mais do que apenas o edifício, mas também o dos construtores e da comunidade.

Além disso, um renascimento arquitetônico não exclui necessariamente o estilo moderno; a arquitetura moderna pode e deve ser verdadeiramente bela. Inúmeras influências estilísticas podem trazer a beleza de volta, desde que nos levem a contemplar o Altíssimo e os valores mais elevados que todos devemos buscar na esperança da união final com nosso Criador.

O estilo barroco do Palácio de Versalhes, os elementos góticos do edifício do Parlamento Húngaro, as características Beaux-Arts da Biblioteca Pública de Nova York e as características neoclássicas do edifício do Capitólio dos Estados Unidos conseguem inspirar.

Gênesis 2:15 nos lembra da responsabilidade que Deus nos confiou quando tomou o homem e o colocou no Jardim do Éden para cultivá-lo e cuidar dele. É inerente à natureza humana manter a ordem adequada de Deus para o mundo e cuidar de Sua criação.

Deus criou o Bem e criou o homem à Sua imagem. Seu plano para o mundo é bondade e realização por meio da beleza da criação — e a criação da beleza, um verdadeiro reflexo da imago Dei. Ele confia ao homem a responsabilidade de administrar a criação, uma administração da beleza.

O que precisamos é de pessoas de alma bela em toda a sociedade, e especialmente de arquitetos virtuosos que possam liderar a tarefa de trazer o homem de volta à contemplação da beleza. Essa administração da beleza que o público encontrará será o que atrairá nossa cultura de volta a ver a beleza em nossos semelhantes e em Deus.

Cada geração tem a tarefa de deixar para trás um mundo um pouco mais belo, um pouco mais esperançoso e com mais oportunidades de prosperidade e florescimento. Que maneira melhor do que deixar uma lembrança física daquilo a que somos chamados?

Embora as estruturas físicas sejam apenas um vislumbre da beleza a que estamos destinados, são, no entanto, o vislumbre de que nossa sociedade precisa para restaurar uma profunda contemplação da virtude em nós mesmos e para nossas comunidades.

Ella Yates é membro do Programa de Líderes Emergentes 2025 do Acton Institute, trabalhando com o Centro para o Florescimento Social. Ela também cursa bacharelado em filosofia e ciência política na Universidade de Notre Dame. Seus interesses de pesquisa incluem metafísica tomista, ética católica, estética e estudos familiares.

©2025 Acton Institute. Publicado com permissão. Original em inglês: Rebuilding Virtue: We Need an Architecture Revival

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