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| Foto: Mandel Ngan/AFP

Nunca houve qualquer dúvida a respeito das falhas de caráter de Donald Trump; a questão sempre foi saber até onde ele iria e se os outros indivíduos e instituições o enfrentariam ou se tornariam coniventes com sua corrupção.

Quando, há três anos, escrevi uma coluna para o New York Times sobre ele, pedi aos outros republicanos que o rejeitassem, bem como à sua candidatura. Uma das minhas preocupações era que, se vencesse, Trump redefiniria o partido à sua própria imagem, o que já aconteceu em áreas como o livre comércio, os mercados livres e o tamanho do governo; em atitudes relacionadas ao nacionalismo étnico e às políticas de identidade branca; no compromisso do país com seus aliados tradicionais, na forma como os republicanos encaram a Rússia e em sua disposição de denunciar os líderes de governos cruéis, como o norte-coreano, em vez de se derramarem em elogios a eles. O fato, porém, é que em nenhuma outra esfera Trump alterou mais fundamentalmente o partido do que em relação à sua ética e à liderança política.

Durante décadas, os republicanos, em especial os conservadores, insistiram em valorizar o caráter como ponto crucial na vida pública – e se mostraram particularmente explícitos sobre esse ponto durante o escândalo que envolveu Bill Clinton e Monica Lewinsky, protestando contra a “compartimentalização”, ou seja, a ignorância da falta de retidão moral no Salão Oval apenas porque se está de acordo com a agenda política do presidente ou por causa da economia forte.

O senador Lindsey Graham, na época deputado, chegou até a alegar que “impeachment não é punição; é uma questão de ‘limpar’ o cargo, restaurar sua honra e integridade”.

Tudo isso mudou com Trump na presidência. Para os republicanos, honra e integridade agora são coisas do passado. Vimos, na semana passada, aquele que durante muito tempo foi advogado do presidente, Michael Cohen, diante de um tribunal, sob juramento, implicar o ex-cliente em atividades criminosas, enquanto o ex-diretor de campanha do mesmo, em outra vara, era condenado por fraude bancária. A grande maioria dos republicanos no Congresso ou ficou quieta ou saiu em defesa de Trump, seguindo o padrão desse novo drama cansativo.

Em nenhuma outra esfera Trump alterou mais fundamentalmente o partido do que em relação à sua ética e à liderança política

É uma reviravolta inacreditável. Um partido que antes falava com urgência e aparente convicção sobre a importância de uma liderança ética – fidelidade, honestidade, honra, decência, boas maneiras, servir de exemplo – se submeteu ao indivíduo mais irremediável e completamente corrupto que já assumiu o cargo de presidente. Alguns homens que assumiram a presidência foram inescrupulosos em determinadas áreas – infidelidade, mentiras, subterfúgios, desvios financeiros –, mas em tempo algum vimos uma corrupção tão absoluta e abrangente como a que existe na vida de Donald Trump.

Muitos republicanos parecem não ter se apercebido disso ainda – mas os fatos que não penetram a bolha ideológica não deixam de ser fatos. E o corrompimento moral de Trump é óbvio e maciço. Sempre esteve evidente em sua vida pública e privada, na forma como tratou e trata as esposas, nos acordos e negociatas comerciais, nas suas mentiras patológicas e sua crueldade, no descaramento e no bullying que pratica, em seu alarmismo conspiratório e nos apelos aos impulsos mais sombrios dos norte-americanos (o senador Bob Corker se refere aos comentários racistas do presidente como “estímulos da base”). A indecência de Trump é arraigada, resultado de uma vida inteira de maus hábitos. Foi um delírio achar que ele se regeneraria só por ter se tornado presidente.

Muitos que, como eu, sempre foram republicanos e já trabalharam nas administrações anteriores do partido, mantinham um fiapo de esperança de que houvesse um momento em que seus representantes dessem um basta; que houvesse um limite que Trump passasse, algum extremo que atingisse, alguma barreira cívica que destruísse, algum ato que cometesse, algum esquema ou escândalo em que se envolvesse que fizesse com que a maioria dos republicanos rompesse com o presidente. Que nada. A imoralidade de Trump os contaminou. Ainda não chegamos ao fundo do poço e talvez isso nunca ocorra. Claro está que eu deveria ter visto isso antes, se não estivesse cego a certas realidades que deveria ter reconhecido logo de cara.

De qualquer forma, a ligação aparentemente inquebrantável do Partido Republicano com Trump se mantém a um custo altíssimo. Há a hipocrisia de nível, a capacidade, usada à exaustão, de venerar o caráter público ou criticar os democratas que não o tenham, e o dano ao movimento evangélico branco que defende maciçamente Trump que, como resultado, se vê praticamente desacreditado. E há um preço eleitoral bem alto que muito provavelmente será pago em novembro.

Bruno Garschagen: A direita, os intelectuais e os erros de análise (publicado em 23 de julho de 2018)

Leia também: A grande chance de Trump (artigo de Antonio Sepulveda, Carlos Bolonha e Igor de Lazari, publicado em 10 de janeiro de 2018)

Entretanto, o maior dano está sendo impingido à nossa cultura cívica e às nossas políticas. Trump e o Partido Republicano são hoje os maiores símbolos da corrupção e do cinismo na vida política norte-americana, de uma ética que prega que o maior tem sempre razão. A desumanização do outro virou moda e a verdade é relativa (ou, nas palavras infames do advogado de Trump, Rudy Giuliani, “a verdade não é verdade”). Eles estão acabando com os propósitos honrosos e a nobreza da política.

Claro que ela não é só isso; o interesse próprio sempre foi um fator considerável. Porém, se se trata apenas do poder ilimitado pela moralidade, se é simplesmente o governo exercido através da lei da selva, de um príncipe agindo feito uma besta-fera – nas palavras de Maquiavel –, então a coisa toda deve ruir. Temos de diferenciar os líderes imperfeitos dos corruptos e precisamos de vocabulário para tal.

Um alerta aos meus amigos republicanos: o pior ainda está por vir. Graças ao trabalho de Robert Mueller – um funcionário público ilustre, não “o líder de um bando de brutamontes democratas enraivecidos” –, vamos descobrir as camadas mais profundas da degeneração de Trump. Quando isso acontecer, o presidente, cada vez mais ensandecido, mais desesperado e mais raivoso ao se ver irremediavelmente cercado, certamente se tornará mais errático, desconexo e alucinado.

A maioria dos republicanos que colocou o boné MAGA (“Make America Great Again”, ou “Recuperar a grandeza dos EUA”) no tal muro de Trump ficará com ele até o fim. Será que uma redução fiscal, a desregulamentação e as indicações para os tribunais valem tudo isso?

Peter Wehner, membro do Centro de Ética e Políticas Públicas, fez parte dos três últimos governos republicanos.
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