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Tempo seco em Brasília. Imagem ilustrativa.
Tempo seco em Brasília. Imagem ilustrativa.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Embora exista em nossa Constituição desde a proclamação da República, em 1889, o federalismo brasileiro está muito longe da fonte inspiradora: as ex-colônias inglesas que constituíram  os Estados Unidos, onde cada ente mantém sua autonomia e todos, em conjunto, formam a União. Aqui, a União sempre teve a supremacia (política e econômica), restando o poder relativo a estados e municípios, muitas vezes contestados e até subjugados.

Mas a vida sob o jugo do coronavírus está mudando o quadro. Começou a mudar quando o Supremo Tribunal Federal garantiu a governadores e prefeitos o controle das ações de combate à pandemia. Mais do que enfraquecer o poderio federal, colocou-se o fardo sobre os ombros dos governantes regionais e locais e, como os recursos estão acumulados na União, teve a corte de proferir decisões para obrigar Brasília a destinar os recursos necessários às ações de estados e prefeituras. Houve governadores que aproveitaram bem o momento, outros que se deixaram levar por irregularidades (e até corrupção) e hoje pagam o preço, e os que tentaram tirar proveito político da situação, o que parece não ter dado muito certo.

Depois do protagonismo dos governadores, verifica-se agora – no auge da reinfestação – a ação dos prefeitos. O de Araraquara decretou lockdown no mês passado, fechando tudo assim que descobriu a existência em sua cidade de casos da variante Manaus do vírus. E, mesmo já contabilizando resultados, faz questão de alertar seu povo para não comemorar porque a situação ainda é crítica. Agora, os prefeitos de São José do Rio Preto e Ribeirão Preto, duas “capitais regionais” paulistas, também adotam medidas restritivas por causa do elevado porcentual de lotação dos hospitais, especialmente dos leitos e das UTIs destinados a pacientes da Covid-19.

Diferente dos governadores, que agem por amostragem, os prefeitos atuam à sombra da realidade local, que vivem no seu dia a dia. Várias capitais e inúmeras cidades pequenas e médias, em diferentes estados, já estiveram fechadas nos últimos dias e hoje avaliam os resultados. Os prefeitos deverão resultar mais eficientes que os governadores, pois têm a oportunidade de agir especificamente no problema local e, inclusive, argumentar e negociar, convencendo o seu empresariado quanto à necessidade de suspender temporariamente ou reduzir o volume dos negócios.

Forçado pela emergência, o Brasil é levado a dar a devida força ao município, como determinam os mais eficientes manuais de política e democracia que, em nosso território, servem apenas para o discurso político, pois a União e os estados polarizam o poder, enquanto o município – o único dos entes federados a se relacionar com a população – tem sido, historicamente, o chamado “primo pobre”.

Os resultados das iniciativas desses prefeitos pioneiros devem incentivar outros governantes locais a fazer o mesmo. Se conseguirem baixar o número de infectados e mortes e, ao fim, contribuir para o fim do flagelo chinês, terão demonstrado claramente que o poder local é mais eficiente que as decisões tomadas nas capitais e que, na maioria das vezes, não levam em consideração as características das populações e a forma como cada uma delas é impactada pelo problema.

Saindo-se bem dessa tarefa emergencial e contribuindo para eliminar a Covid-19 no país, os prefeitos e todos os que empunham a bandeira do municipalismo estarão em condições de, durante as reformas administrativa, tributária e política que se avizinham, reivindicar mais recursos e autonomia aos municípios. Será a primeira chance concreta de fazer frente ao muitas vezes perverso gigantismo federal e estadual, que emperra o nosso desenvolvimento.

Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da PM paulista e dirigente da Associação de Assistência Social dos Policiais Militares de São Paulo (Aspomil). 

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