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| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Novo relatório da ONU destaca crescimento da fome no mundo, com a estimativa de 820 milhões de pessoas nessa condição, o que significa que regredimos em todos os avanços que haviam sido registrados de 2010 em diante. Em 2014, o mundo tinha 8,9% da população numa situação de severa insegurança alimentar. O resultado de 2017 foi de 10,2%. A África passou de 22,3% para 29,8% e a América Latina passou de 7,6% para 9,8%.

No Brasil, passamos de 4,6% da população com desnutrição em 2004 para 2,5% em 2017. Além disso, temos 22,3% da população adulta obesa, sendo que este número vem crescendo, pois em 2012 tínhamos 19,9%. Ainda sobre o Brasil, outro dado indica que as mulheres em idade reprodutiva afetadas por anemia passou de 14 milhões em 2012 (25,3%) para 15,5 milhões em 2016 (27,2%). Vários outros países também registram a coexistência de problemas díspares como sobrepeso e desnutrição, obesidade e insegurança alimentar.

Segundo o relatório, o fenômeno El Niño trouxe significativas anomalias entre os anos de 2015 e 2016, especialmente no Brasil. Nosso país também é citado por ter experimentado três ou mais anos com temperaturas máximas acima da média. O relatório segue indicando que as mudanças climáticas se acentuaram de 1990 a 2016, especialmente as secas, inundações, tempestades e as temperaturas extremas.

As perdas ocorrem em todos os elos da cadeia produtiva

Contudo, em 2017 o Brasil registrou uma supersafra, com 238 milhões de toneladas produzidas e um aumento em 13% nas vendas de produtos agrícolas para o exterior. Com esses resultados, convém refletirmos se o aumento da fome, ao menos no Brasil, está relacionado com as mudanças climáticas ou se estamos sendo cada vez mais incompetentes na distribuição, comercialização e consumo dos produtos alimentícios.

Podemos atribuir toda a responsabilidade às mudanças climáticas ou também devemos discutir a falta de gestão das empresas, do poder público e da sociedade? Digo isso em função dos números do desperdício. Todos os anos, de acordo com a FAO, cerca de 30% de todos os alimentos que são produzidos no mundo são perdidos ou desperdiçados. Isso representa, aproximadamente, 1,3 bilhão de toneladas de comida que vão para o lixo.

As perdas ocorrem em todos os elos da cadeia produtiva. No campo e durante os transportes, a precariedade logística danifica frutas, legumes e verduras que poderiam ser consumidos se estivessem acondicionados corretamente e protegidos de chuva e sol excessivo. Nos pontos de venda, a falta de cuidado no manuseio e o hábito do consumidor de apertar os alimentos para escolher os melhores também causam desperdício.

Leia também: Os dois lados da laranja (artigo de Eduardo Müller Saboia, publicado em 3 de abril de 2018)

Leia também: Desperdício e o “novo” modelo do sistema alimentar (artigo de Caroline Filla Rosaneli, publicado em 20 de novembro de 2016)

Por fim, falamos do desperdício que ocorre nos restaurantes e também em nossas casas. Quantos de nós já jogamos no lixo alimentos que estragaram por não terem sido consumidos no prazo correto? E quantas vezes deixamos comida no prato?

Não se trata de minimizar a interferência das mudanças climáticas. Mas esse texto é um convite à reflexão a todas as empresas que atuam nos diversos elos da cadeia produtiva alimentícia no Brasil, pois há um grande espaço para melhoria nas operações e manuseio dos alimentos. A nós, consumidores, mais responsabilidade com o que temos a felicidade de comprar e a incapacidade de consumir.

Gleriani Ferreira é professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie Alphaville, especialista em rastreabilidade de cadeias produtivas.
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