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| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Grande parte dos brasileiros está paralisada por um sentimento de Schadenfreude, a palavra germânica que tem sido adotada pelo inglês e outras línguas porque não existe outra palavra para descrever o que ela denota: o gosto malicioso de ver os infortúnios dos outros. Esta palavra apareceu em inglês pela primeira vez em 1852, no livro Study of words, do filólogo Richard Chenevix Trench. A palavra Schadenfreude reflete uma moral interior degradada, gerando um prazer quando a pessoa vê ou percebe as calamidades dos outros.

Jair Bolsonaro, que já foi aliado de Eduardo Cunha e que considera Ustra, Pinochet e Fujimori grandes líderes, foi infiltrado pelos militares há 20 anos dentro do Congresso Nacional, sendo o mais votado na cidade mais violenta do Brasil, o Rio de Janeiro. Esperou o circo pegar fogo novamente para tentar legitimar uma nova ditadura semelhante à da Venezuela. Esse sentimento de Schadenfreude é tão forte no militar que, ao se assemelhar ao sentimento de raiva dos brasileiros, ele está se isolando no topo das pesquisas com o mesmo discurso de Donald Trump, no estilo “falem bem ou mal de mim, mas não deixem de falar”. Vende a imagem de “homem de Deus”, de outsider e antiestablishment, fora da política de roubalheira tradicional (em especial PT, PSDB e PMDB), e que resolve a crise de representação com soluções simples, como colocar ordem no circo com força e matança.

Segundo Hilton Fernandes, pesquisador e professor da Fepesp, neste momento de caos, vender a imagem “do contra” é a que pega mais. Na realidade, Bolsonaro tenta impor a mesma bandeira de Collor, o caçador de marajás que quis se livrar do impeachment renunciando, e foi eleito duas vezes senador. Bolsonaro, no entanto, está na lista de Furnas, é investigado na Operação Carne Fraca, comprou cinco apartamentos no valor de R$ 8 milhões e ainda afirma que vai privatizar o máximo que puder, inclusive a Petrobras.

A habilidade de roubar bastante e ser muito esperto para esconder a roubalheira ou evitar a punição é que dá voto nos países latinos. No Brasil, o mais latino de todos, até presidiário fica no topo das pesquisas, visto que alimenta quem não quer trabalhar. Na realidade, há os que sonham mais em entrar nesta máfia do que em ganhar na loteria. Isso porque não veem possibilidade de ganhar autonomia financeira sem entrar no esquema, e limpam a consciência dizendo que, se não fizerem isso, serão assediados ou descartados. Basta ver os casos dos outros países latinos para entender isso. Um exemplo marcante é a Itália, que, mesmo com a supervisão da Alemanha, manteve Silvio Berlusconi no poder apesar das diversas acusações criminais que vão muito além da corrupção, como a pedofilia.

A violência e as crises deixam as pessoas cegas, atrás de soluções rápidas e sem muito esforço

Os simpatizantes de Bolsonaro são os mesmos que fazem protestos contra aumento das passagens de ônibus, isto é, somente quando algo mexe com seu umbigo. São jovens que não viveram a ditadura e por isso tendem a romantizá-la. Os militantes do MBL, quietos agora que a classe média-alta está mais satisfeita, gostam de Bolsonaro pela rigidez no combate ao crime. Até os caminhoneiros decidiram não entrar mais em paralisação para não atrapalhar a candidatura de Bolsonaro, apoiado pelos grandes empresários da área de transporte rodoviário. Frases curtas, sem significado, viralizam e atraem os jovens das redes sociais que necessitam ser vistos, já que não têm maturidade para realização profissional. Entre essas frases, cabe destacar: “vou matar pelo menos 30 mil pessoas” (em vídeo de 1999); “ Não quero saber se há 30 processos contra mim por declarações no plenário da Câmara, tenho imunidade parlamentar”; “ Sou um dos poucos que não aceita dinheiro de propina”; “Existe corrupção entre os militares, mas é muito menor que os civis”; “O cargo estava vago depois da saída do Jango e por isso não houve golpe, até porque o nome do marechal Castello Branco foi escolhido pelo Congresso”.

Bolsonaro, líder na aceitação e também na rejeição, foge de assuntos que poderiam tirar mais do que dar votos, como as mortes misteriosas de Jango, Lacerda e Juscelino Kubitschek, que possivelmente foram vítimas da iminente Operação Condor, um esquema de cooperação entre os governos militares da Argentina, Chile, Paraguai e Brasil nos anos 70 e 80. Assim como o da esposa de Lula, o caixão de Lacerda não pode ser aberto e o falecido também não pode ser sujeito a autópsia. No caso de Ulysses Guimarães, Eduardo Campos e Teori Zavascki, as caixas-pretas foram retidas pelos militares, que deram desculpas esfarrapadas para suas mortes.

O “programa de governo” de Bolsonaro vai de encontro ao que propõe o filho de Jango, João Goulart FIlho, candidato pelo Partido Pátria Livre (PPL), que busca retomar as políticas do pai: Reformas de Base com foco em direitos humanos, ebulição cultural e combate ao capital financeiro rentista. Bolsonaro, sem um planejamento estratégico, se intitula, como Temer, o salvador da pátria, o “novo”. Aliás, surgiu também neste momento de sonhos de mudança da cultura latina de roubalheira o Partido Novo, cujo presidenciável é o “candidato dos bancos”, o maior mal do Brasil. Na realidade, não há um candidato que se salve, visto que a cultura do esperto tem de atingir o ápice antes de começar a mudar, em um processo muito longo.

Obiviamente, Bolsonaro poderia ajudar no início do processo, visto que é muito difícil convencer o esperto a seguir leis e normas, mas o problema é que, se os militares ficaram no poder por 20 anos sem serem eleitos pelo povo, imagine o leitor se tiverem legitimidade para governar. Vão transformar as pessoas em soldados do governo, assim como Haddad continuaria a criar parasitas. De fato, algumas redistribuições em prol da distribuição de renda sem contrapartida dos beneficiários para a economia gera efeitos colaterais que redundam em maior concentração de renda via déficit público elevado, financiado por inflação elevada.

Ainda relacionado ao sentimento de Schadenfreude, Bolsonaro afirmou que “é preciso um grande efetivo das Forças Armadas nas ruas para fazer frente aos marginais do MST, dos haitianos, senegaleses, bolivianos e tudo que é escória do mundo e, agora, estão chegando os sírios também. A escória do mundo está chegando ao Brasil como se nós não tivéssemos problemas demais para resolver”, e completou: “vou acabar com todas as terras indígenas e comunidades quilombolas e vou terminar com o financiamento público para ONGs”.

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A violência e as crises deixam as pessoas cegas, atrás de soluções rápidas e sem muito esforço, achando que os dados e informações que encontram nas redes sociais e no Google são verdadeiras. Pensam que a quebradeira feita pelo PT, PSDB e PMDB só pode ser resolvida com a força de um militar que em 20 anos conseguiu aprovar somente uma emenda. A cegueira é causada pela falta de conhecimento e experiência, fato que leva ao medo de sair da zona de conforto e conhecer profundamente outras culturas e línguas, o que levaria a um processo de aprendizagem por comparação, assimilando outros valores, crenças, tradições e suposições.

O que não se observa é que a simples troca de experiências e conhecimentos entre venezuelanos e brasileiros já é enriquecedora. Infelizmente, a Lei 11.161/2005, que determinava a implantação obrigatória até 2010 da língua espanhola nos currículos plenos do ensino médio, foi revogada pela Medida Provisória 746, de 2016, e, posteriormente, pela Lei 13.415, de 2017. Segundo o artigo 35-A, § 4.º da lei revogada, os currículos do ensino médio poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino. Mesmo sendo o Brasil o único país da América do Sul que fala somente português, a relatora do Projeto de Lei 3.321/12, a professora universitária e deputada Dorinha Rezende (DEM), conseguiu convencer os outros deputados a rejeitar o projeto que tornaria obrigatório o ensino da língua espanhola nas escolas, usando o argumento de que “ainda temos muito a avançar em termos de docentes qualificados, equipamentos, laboratórios e tecnologias educacionais”. Essa atitude da deputada-professora universitária mostra o quanto o governo se esforça para manter o povo ignorante, sem acesso ao conhecimento da língua predominante no próprio continente. Visto que é de notório conhecimento que equipamentos, laboratórios e tecnologias educacionais não são impeditivos para o ensino da língua espanhola, o governo poderia valer-se de venezuelanos com formação em ensino de espanhol para anular a revogação da Lei 13.415 e tornar obrigatório o ensino do idioma.

Segundo a edição de 2010 da Enciclopédia Nacional Sueca, o espanhol é segundo idioma mais falado do mundo (5,85% da população mundial), só perdendo para o mandarim (14,1%) , enquanto o português é falado por 3,1% da população mundial. Ademais, os Estados Unidos têm aproximadamente 37 milhões de falantes da língua espanhola, segundo o United States Census Bureau – apenas 2 milhões a menos que toda a Argentina, com aproximadamente 39 milhões de falantes, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Censos do país.

O boom tardio do Google, do Facebook e do WhatsApp na América Latina proporcionou uma avalanche de informações que gera perda de foco e de significado. No mundo real, embora o Brasil tenha dez países vizinhos, não tem laços culturais nem com o resto da América Latina por cinco motivos: o sonho de conhecer bem o Brasil antes do exterior, o alto gasto com celular e internet, a barreira da língua, a baixa capacidade de lidar com a complexidade e o preço absurdo das passagens aéreas e da gasolina. O baixo nível de inteligência cultural, a inteligência de descobrir o mundo e aprender por comparação, é também causado pela cultura de superproteção e dificuldade de lidar com a complexidade que faz com que a população e o governo ajam como se o exterior não existisse. Boa parte disso é culpa do governo. Ao mesmo tempo em que decide não valer a pena mudar a cultura de aproveitar o máximo a vida, prefere esconder seus atos de corrupção de eleitores sem conhecimento e experiência.

A imigração de venezuelanos tem muito mais vantagens que desvantagens para o Brasil

Essa estratégia governamental de isolar o Brasil é bem aceita pela população, que desfruta de um país de clima tropical com uma imensidão de recursos naturais, sem muito esforço. Em sua grande maioria, o brasileiro que consegue sair da cultura do esperto foca em tirar fotos para postar nas redes sociais. Os resultados da falta de um processo de aprendizado com outras línguas e culturas são baixa orientação para o futuro; busca do prazer em detrimento de significado; crença em dados e informações de primeira mão, em vez de livros e estatísticas de órgãos de pesquisa; alta dependência do governo e da família; liderança autoprotetiva; busca de favores; e coletivismo sem confiança.

Outra característica da cultura latina é tirar vantagem dos outros, imitando o governo, por não ter maturidade para enfrentá-lo. Isso é um processo muito difícil de mudar, visto que tem raízes muito fortes; somente uma revolução social, não militar, poderia transformar a cultura conhecida internacionalmente como a mais fraca.

Apesar de ambos os países terem um cultura com bem menos acesso ao conhecimento e experiência, a imigração de venezuelanos tem muito mais vantagens que desvantagens para o Brasil: o contato com a segunda língua mais falada no mundo, o nível de resiliência bem maior dos venezuelanos e a possibilidade de os jovens brasileiros, a maior parte dos eleitores do Bolsonaro, entenderem os efeitos da ditadura com os venezuelanos. Contudo, o que se nota claramente é um forte repúdio contra todos os estrangeiros, em especial nas cidades de fronteira, com a justificativa de competição por emprego e serviços públicos, que não atendem nem a população local devido ao “efeito São Paulo”.

O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão é o grande responsável pelo Brasil ser insularizado e setorializado. Segundo o ex-subsecretário de Desenvolvimento Sustentável da Secretaria de Assuntos Estratégicos Alberto Carlos Pereira, o “efeito São Paulo” é responsável por boa parte do processo de desindustrialização e da desigualdade regional brasileira. De acordo com Antônio Carlos Galvão, diretor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), a União Europeia, mesmo na crise, destina de 60% a 65% dos recursos para as regiões mais pobres. Ele desabafa: “A carteira de investimentos com novos polos de desenvolvimento, encomendado pelo Ministério do Planejamento em 2008 e intitulada Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento, foi atropelado pelo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) com um viés altamente político”.

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Com a questão dos refugiados, ficou claro para os brasileiros e para todo mundo que o Brasil só tem alguma infraestrutura em polos industriais selecionados. Isso, adicionado à cultura xenófoba, é a razão pela qual ainda vivem nas ruas mais de 2 mil venezuelanos e, em média, outros 600 chegam todos os dias, sendo que 1,2 mil já foram expulsos nos últimos três anos de fluxo migratório.

A xenofobia não é só de Bolsonaro e de boa parte da população. Em decisão contraditória, cheia de omissões e obscuridades e que também inverteu o pedido da ação impetrada pelo MPF e DPU, o juiz federal Girão Barreto decidiu fechar a fronteira até que “se alcance um equilíbrio numérico com o processo de interiorização e se criem condições para um acolhimento humanitário no estado de Roraima”. Na sua decisão, pede que “assegurem a fruição dos direitos e garantias dos brasileiros e acelerem o chamado processo de interiorização. Fala-se de federalismo cooperativo, que, no caso concreto, não passa de argumento retórico. É imperioso rechaçar a ideia de que em matéria de imigração a União tudo pode, e os estados e municípios tudo devem suportar, a exemplo de recusa do governo federal em reconhecer a divida de R$ 184 milhões decorrente de gastos com serviços públicos postos à disposição dos imigrantes (Ação Civil 3121 STF) e compromisso não cumprido por parte do governo federal de instalar hospital de campanha em Boa Vista”.

O vice-presidente do TRF1, desembargador Kassio Marques, derrubou a decisão, dizendo que o fechamento de fronteira significa não reconhecer o imigrante como igual ao brasileiro. O senador Romero Jucá, que está em terceiro lugar nas pesquisas de opinião para o Senado em Roraima, deixou a liderança do governo no Senado recentemente por não conseguir convencer o presidente a fechar a fronteira a fim de explorar o sentimento antivenezuelano. O presidente da República teme que a opinião pública internacional possa trazer mais problemas para a diplomacia caso o Brasil feche a fronteira, e também não quis se indispor com o STF. Rosa Weber destacou a convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, internalizada no Brasil pelo Decreto 50.215/1961, que determina que os Estados que dele fazem parte prestem aos refugiados o mesmo tratamento, em matéria de assistência e saúde, dado aos nacionais.

O pesquisador Hugo Achugar destaca que os desafios civilizadores do presente e a tensão entre a globalização e o bairrismo deverão modelar as identidades culturais de cada um dos países do Mercosul. Não há crescimento sem humildade: temos de admitir que faltam conhecimento e experiência para lidar com a imensidão de recursos naturais, e por isso desfrutamos ao máximo, sem preocupação, de recursos que são finitos.

O impacto do ego sobre a economia fica mais claro se compararmos o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro com o restante do país. Ambos têm muito ego: gaúchos, por se acharem superiores; cariocas, por se acharem mais espertos. Ambos se isolaram de outras cidades e culturas, o que gerou uma crise sem precedentes, a ponto de o governo não ter dinheiro nem para pagar os seus servidores. Os dois estados também perderam posições nos índices do MEC, tanto em nível médio quanto universitário.

É preciso evitar ações problemáticas como no caso da imigração dos haitianos

Num panorama internacional, os países da América Latina tiveram retrocesso nos níveis educativos nos últimos três anos, levando-os aos últimos postos do Programme for International Student Assessment (Pisa). Salvador Allende, presidente que tentou revolucionar o sistema de educação do Chile, foi assassinado dentro do palácio do governo em 1973. Em uma análise de toda a trajetória de Allende feita pelo jornal Le monde diplomatique, constatou-se o porquê dos protestos dos estudantes chilenos em 2011: “a contundência das manifestações é proporcional à injustiça do modelo educacional chileno, estabelecido durante a ditadura militar e desenvolvido e mantido pelos governos seguintes. Os estudantes cercaram o governo de direita com greves, manifestações e ocupação de escolas para exigir educação gratuita e de qualidade”.

A redução das desigualdades econômicas, sociais e regionais com sustentabilidade se dá a partir da valorização da diversidade cultural, do pleno uso dos potenciais humanos, da integração entre diferentes línguas e da inserção competitiva externa. Isso é que busca o Mercosul Cultural. Em 2015, o Brasil sediou os encontros de especialistas de 12 países para discutir, dentre outras coisas, diversidade, economia criativa e patrimônio. Um fundo criado em 2010 tem o objetivo de financiar projetos e programas que fomentem a criação e circulação de expressões culturais latino-americanas.

Não obstante a presidente Dilma Rousseff ter chamado os países do Mercosul após a queda brusca do preço das commodities determinado pelo mercado internacional, não conseguiu convencer e declarou à colega argentina Cristina Kirchner que, “se precisar de uma ajuda, sempre tera uma porta aberta aqui no Brasil”. Cristina deve ser presa nas próximas semanas. O Brasil só se preocupou com a integração e desenvolvimento regional na época de Juscelino Kubitschek e Celso Furtado. Nunca deu muita bola para o Mercosul e, agora, pega empréstimos com a China através do banco dos Brics.

O preconceito como o de Boslonaro, que quer construir um campo de refugiados para forçar a saída dos venezuelanos, é muito perigoso sob o ponto de vista da política externa e pode custar mais caro que utilizar o sentimento antivenezuelano dos brasileiros. Há diversos pontos-chave para que se comece a propagar previsões de que o Brasil será a próxima Venezuela em termos de desrespeito à democracia com censura, mudança da Constituição e uso da força, com o Exército, como propõe Bolsonaro – o mesmo que faz Nicolás Maduro na Venezuela.

O colapso da confiança, após duas tentativas de golpe em 1992, além do impeachment do presidente Carlos Andrés Pérez por desvio de fundos públicos em 1993, permitiu que Hugo Chávez ganhasse força. Ele criou o conceito de “Revolução Bolivariana” ao aprovar uma nova Constituição em 1999. Diante disso, como fazer os jovens brasileiros enxergarem a nova ditadura venezuelana e compará-la com a volta da ditadura no Brasil se eles estão perdidos nas redes sociais, indignados com tudo e com todos, querendo ver o circo pegar fogo?

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É preciso saber falar a linguagem dos jovens, utilizando-se de poucas palavras e muitas figuras e fotos da época da ditadura, revelando quantos jovens desapareceram e foram torturados. Quanto a Haddad, importante destacar o objetivo da Força Nacional estabelecida por Lula; quanto dinheiro o PT mandou para a Venezuela para patrocinar a ditadura chavista e a fome e morte de diversos civis; além da Lei 12.970/2014, que dá a prerrogativa aos militares de esconder as caixas-pretas de aviões. Era realmente de esperar que, após tanto dinheiro enviado à Venezuela para Maduro manter o poder colocando terror na população, esta viria correndo para o Brasil.

O ponto positivo é o processo de aprendizagem entre os povos dos dois países. Para tanto, é preciso entender as semelhanças entre eles. Uma delas é o dramático processo de desindustrialização. A superdependência do petróleo deixou a economia venezuelana em ruínas após o colapso dos preços. Da mesma forma, a economia do Brasil depende muito da exportação de commodities como soja e minério de ferro. No Brasil, mesmo com uma base industrial mais forte que a Venezuela, há sempre o perigo de nova queda brusca dos preços das commodities.

A favor da integração entre Venezuela e Brasil, as professoras Nádia de Araújo e Carolina Noronha destacam que a união de países em nível de desenvolvimento completamente divergente (o que não é o caso dos dois países) tende a gerar menos negócios, menos trocas de informações, menos empregos e menos circulação de serviços e pessoas, o que enfraquece a sua influência como um todo e reduz sensivelmente os ganhos financeiros que poderiam vir a ser auferidos.

Um plano de integração para auferir ganhos financeiros deve ficar fora das influências políticas e só pode se realizar se houver pressão externa de organismos e países com larga experiência no acolhimento de refugiados, como aconteceu com a desistência das senhas propostas por Temer.

O governo vê a entrada dos venezuelanos como calamidade em vez de oportunidade de sair da bolha e amadurecer

Essa troca entre os jovens brasileiros (que querem o que não conhecem) com os jovens venezuelanos (muito mais resilientes porque sabem o que querem apos tanto sofrimento) só vai ocorrer se houver um diálogo social tripartite travado entre o Poder Executivo federal (ministérios do Trabalho e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços) e local (secretarias municipais de Trabalho e Renda) com os representantes de trabalhadores e empregadores, monitorado por organismos internacionais especializados, o que pode gerar entendimentos que resultem em ofertas diretas de emprego, iniciativas de responsabilidade social corporativa e até mesmo na formulação de políticas públicas para dar materialidade à nova Lei de Migração no que tange ao reconhecimento acadêmico e ao exercício profissional, possibilitando o empenho deste capital humano em beneficio do país.

É resultado deste diálogo social tripartite, em parceira com países com larga experiência com o acolhimento de refugiados como a Alemanha, a criação de oportunidades de geração de renda, visto tal medida ser fundamental no alcance da autonomia financeira dessas pessoas e que idealmente deve estar alinhada às necessidades do mercado de trabalho brasileiro. Isso é um grande aprendizado para o PT, que gosta de manter os pobres e servidores públicos como parasitas para permanecer no poder e roubar os cofres públicos com menos adversários.

Concomitantemente aos temas expostos anteriormente, é urgente que se constitua um mecanismo de coordenação institucional da estratégia de interiorização que contemple a participação da sociedade civil ampliada, incluindo coletivos de migrantes, o setor privado, multinacionais que trabalham com estrangeiros, igrejas, academia e gestores públicos locais, sob o risco de reduzir ou até mesmo frustrar as possibilidades de sucesso desta ação devido à multidimensionalidade e dinamicidade dos elementos envolvidos em qualquer fenômeno migratório. No caso do fluxo haitiano, a grave crise institucional entre os entes federativos deflagrada pelo envio não informado de ônibus com migrantes para a cidade de São Paulo é mais um exemplo a não ser seguido.

O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) é responsável pela coordenadoria do Cadastro Único, mas é a gestão municipal que identifica as famílias que devem ter atendimento prioritário para sair de situações de vulnerabilidade.

Importante observar que nos últimos anos, no entanto, ganhou força a tese de que a saúde não precisa tanto de recursos, mas da integração entre estratégia, planejamento e gestão. Denilson Magalhães, consultor na área de Saúde da Confederação Nacional dos Municípios, diz que a construção das políticas de saúde devia partir dos municípios e não do governo federal. Ele cita o exemplo do Samu: “Como ambulâncias seriam usadas no Amazonas? O modelo não atendia o estado. Até que o sistema com lanchas foi organizado a pedido dos municípios”. Magalhães diz que o oposto ocorreu com o programa Saúde da Família, que começou no Ceará. O uso de agentes comunitários se expandiu e foi adotado em outros estados até chegar a ser uma recomendação da União.

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De acordo com Camila Asano, coordenadora do programa de Política Externa da Conectas Direitos Humanos, é preciso evitar ações problemáticas como no caso da imigração dos haitianos, há alguns anos. Camila afirma que, no auge do fluxo migratório dos imigrantes vindos do país caribenho após o terremoto de 2010, o governo do Acre chegou a despachar diversos ônibus com refugiados haitianos para São Paulo sem a menor coordenação com as autoridades do estado. As pessoas chegavam e não tinham nem sequer um primeiro local de abrigo, sendo colocadas outra vez em uma situação bastante vulnerável. Ainda tinham de pagar R$ 384 para poderem entrar no país, e inicialmente não podiam trabalhar. O filtro criado pelo governo foi muito criticado pela opinião internacional, mas Temer tentou repeti-lo com a ideia das senhas, a fim de diminuir a entrada de venezuelanos, mesmo sabendo que a Colômbia, com situação muito pior que o Brasil, recebeu 1 milhão de venezuelanos.

Roraima tem apenas um hospital de alta complexidade e, atualmente, metade da capacidade de atendimento da saúde está sendo ofertada aos estrangeiros. A deputada Shéridan Oliveira disse ao jornal El País que “há dois anos avisamos que isso levaria a um colapso social, porque Roraima já é muito vulnerável, um dos mais pobres. Cobramos uma atitude do governo federal, mas ele foi negligente”.

Proteger o emprego para os trabalhadores nativos e controlar as fronteiras estão se tornando tendências dominantes na narrativa política brasileira, em vez de enxergar essa balança sobre outro ângulo. Analisar as vantagens que os refugiados podem trazer é, sem dúvida, o ponto inicial do programa de internalização que o governo tenta encabeçar com foco no Ministério da Defesa em vez do Ministério do Planejamento. Esse programa deveria ser feito pela Secretária de Planejamento e Assuntos Econômicos, que tem a prerrogativa de elaborar subsídios para a preparação de ações de governo.

O presidente Michel Temer defendeu, mais de uma vez, que os milhares de refugiados em Roraima sejam distribuídos em outras unidades da Federação e reforçou que “o grande fluxo de imigrantes tem causado problemas, mas não vou impedir a entrada deles”. A ideia do governo federal, segundo Temer, é fazer um censo dos refugiados e distribui-los como foi feito com a entrada de haitianos no Acre em 2015. Em outras palavras, como o presidente não trabalhou diretamente com o caso dos haitianos, tende a cometer o mesmo erro. O presidente ressaltou que os estrangeiros estão tirando empregos da população roraimense e prometeu que o problema será resolvido até o fim do seu mandato.

A situação no Rio Grande do Sul, em particular nas cidades de Esteio e Canoas, é outra, devido ao fato de a infraestrutura estar concentrada no Sul e Sudeste. O abrigo foi alugado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os refugiados (Acnur). A prefeitura de Esteio vai receber R$ 530,4 mil que serão investidos na assistência social, saúde e educação. Alberto Beltrane, ministro do Desenvolvimento Social, explicou que este dinheiro é uma reserva do governo para situações de calamidade. Fica claro que o governo vê a entrada dos venezuelanos como calamidade em vez de oportunidade de sair da bolha e amadurecer, tanto governo como sociedade.

O PT gosta de manter os pobres e servidores públicos como parasitas para permanecer no poder

Miguel Rafael Navarro, um venezuelano de 22 anos, chegou a Esteio após um ano e meio em Roraima. Em entrevista, disse que não esperaria a prefeitura arrumar-lhe uma oportunidade e já estava distribuindo currículos nas empresas da região, com foco na fábrica da General Motors. Formou-se no Instituto Nacional de Capacitação e Educação (Ince), onde no primeiro ano aprendeu a teoria sobre técnicas administrativas e, no segundo, aplicou-a numa empresa venezuelana durante o estágio obrigatório. O irmão também veio ao Brasil, mas está em Curitiba. Os pais ficaram em Maturin, na Venezuela.

Pedro Peres, após vender casas e o carro na Venezuela, foi morar em Roraima, onde gastou mais de US$ 10 mil para abrir um restaurante. Lá tomou diversos golpes e entrou na Justiça, porque o aluguel que pagou para montar o restaurante era o triplo do valor de mercado. Espalhou mais de 3 mil currículos e conseguiu a vaga de chef em Porto Alegre, mas em menos de um mês acabou saindo junto com o dono, após o fechamento do restaurante. O proprietário ficou lhe devendo dois sálarios, equivalentes a R$ 7 mil, mais os direitos trabalhistas, visto que Peres não tinha ao menos um contrato e trabalhava 16 horas por dia, sem receber horas extras. A esposa de Peres largou o emprego de 10 anos como funcionária pública e, no dia seguinte à entrevista, chegou de Roraima para viver uma nova vida com Pedro e dois filhos. Ele explica que o salário mínimo na Venezuela não basta para comprar nem dois frangos, e a população, dividida, não consegue enfrentar os militares, que mandam no país apos o golpe de 2002.

O politólogo Carlos Raúl Hernández assinala que na Venezuela ambos os lados, oposição e governo, cometeram erros graves. A oposição tentou jogar um tudo ou nada, tentando derrubar o presidente desde janeiro de 2016 e depreciar a importância das eleições regionais para iniciar um período de negociações para uma transição sem fortalecer a conjunção Maduro-militares. O professor Oscar Vallés, chefe do departamento de Estudos Políticos da Universidade Metropolitana de Caracas, identifica as quatro fontes de poder que compõem a ordem política venezuelana: a violência e coerção, o financiamento autônomo do Estado a um custo muito baixo para a receita do petróleo, o apoio da maior parte da população e a mídia.

Quando falamos em refugiados, deve-se lembrar também de diferenças religiosas. Quem a aproximou dos venezuelanos foi a ONG Fraternidade Sem Fronteiras, que administra um centro de acolhimento para 300 refugiados e imigrantes em Boa Vista, cidade brasileira mais afetada pela onda migratória causada pela crise na Venezuela. O papa Francisco, no fim do ano passado, elogiou o sacrifício e espírito de generosidade e solidariedade do povo de Bangladesh, um dos países mais pobres do mundo. Bangladesh recebeu aproximadamente 1 milhão de refugiados, sendo a maioria crianças, do país vizinho, Myanmar, de minoria muçulmana rohingya. Durante a visita, o papa destacou que “a presença de Deus hoje também se chama rohingya”.

Para maior aceitação da comunidade local, é importante a criação de fóruns e workshops interculturais, eventos culturais para interagir com a comunidade vizinha. O diálogo intercultural pode ser reforçado através de várias iniciativas, incluindo capacitação dos grupos de voluntários para selecionar ideias inovativas dos refugiados, compartilhando seus conhecimentos e experiências, fornecendo-lhes as habilidades necessárias e treinamentos baseados nas necessidades da região em que vivem; implementação de projetos nacionalmente; e acompanhamento e avaliação do projeto iniciado por voluntários. O governo poderia criar um fundo e um centro de pesquisas e oportunidades na área de inovação social para mudar a maneira como os programas sociais são desenhados e avaliados. O Fundo Social seria composto de dinheiro público, privado e filantrópico para investimento nas ideias selecionadas dos empreendedores sociais a fim de ajudar a tirar pessoas da pobreza, em particular enfatizando a responsabilidade pessoal. O governo premiaria as inovações verdadeiramente úteis para reduzir a desigualdade social.

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Uma comparação útil seria ver com os países desenvolvidos lidam com a questão. Nos Estados Unidos, o cadastramento de refugiados é operado pelo Departamento de Estado de População, Refugiados e Migração em Arlington, Virgínia. Segundo Gideon Maltz, diretor-executivo da Tent Foundation, uma organização sem fins lucrativos que trabalha com empresas para ajudá-las a integrar os trabalhadores refugiados em seu local de trabalho, quer se trate de experiência ou linguagem, os refugiados podem fornecer novas ideias em seus respectivos países. A filosofia do executivo americano é: “queremos crescer, você quer contribuir para a economia da empresa? Como vai fazer isso?”

Maltz, em entrevista para a Workforce, uma publicação multimídia que abrange a interseção de gestão de pessoas com estratégia de negócios, destaca que “uma força de trabalho mais diversificada promove novas ideias e inovações, o que é necessário em nosso mercado mais competitivo, global”, e conclui que “o governo deve gastar dinheiro extra em cursos de inglês como segunda língua e outros programas para ajudar os novos trabalhadores a se aclimatarem à sua nova casa, mas estes gastos são pequenos em relação aos benefícios que os refugiados trarão se bem orientados por práticas de mentoring e coaching. Refugiados são pessoas incrivelmente motivadas e resilientes porque estão olhando como reconstruir suas vidas e recuperar um senso de normalidade depois de muitos anos de caos”.

Na Suécia, os recém-chegados são ativamente incentivados no trabalho, colocados em um caminho rápido para o emprego em setores onde a Suécia precisa de trabalhadores. Para tanto, criou-se uma nova lei de inovação e oportunidade da força de trabalho para melhorar a aplicação dos conhecimentos dos refugiados de acordo com formação e a experiência de cada um em particular.

Temos de aprender e ensinar as pessoas com línguas diferentes e culturas semelhantes para depois, tendo uma visão internacional, iniciar um processo de comparação com países desenvolvidos. Esse processo, além de ajudar a transformar os espertos em inteligentes, evita ditaduras e o uso da força para acabar com o jeito malandro de viver, sem conhecimento e experiência. Essa imaturidade leva à dependência do dinheiro público (como é o plano de Haddad) e da ordem (como é o plano de Bolsonaro).

Cristiano Trindade de Angelis é doutor em Inteligência Governamental, autor do livro “Gestão por Inteligências”.
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