Enquanto externamente o país defende a permanência das florestas e outras áreas naturais, internamente pode retroceder de forma desastrosa
As Nações Unidas anunciaram o período de 2011 a 2020 como a Década da Biodiversidade. Para iniciá-la, 2011 foi proclamado o Ano Internacional das Florestas. O que se discute é o manejo sustentável de todos os tipos de florestas para conter a taxa alarmante de desmatamento e degradação. Restam no mundo pouco mais de 20% da cobertura florestal original e 130 milhões de hectares desses remanescentes foram convertidos para outros usos nos últimos dez anos. No Brasil, um dos cinco países que mais detêm florestas, a perda chegou a 26 milhões. Os números são da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
Como conservacionista, é necessário que eu diga: é preciso frear essa destruição porque o que está em jogo é a nossa sobrevivência e qualidade de vida. A degradação prejudica o fornecimento de serviços ecossistêmicos essenciais para a vida humana, como a produção de água doce, regulação do clima e a manutenção da qualidade do ar e do solo. Sem eles, reduzir os efeitos das mudanças climáticas e garantir a vida no planeta como concebemos hoje são tarefas impossíveis.
Nesse sentido, para manter uma parcela indispensável da biodiversidade, viabilizar sua evolução e os serviços ecossistêmicos providos por ela, bem como manter os estoques de carbono, é necessário preservar em perpetuidade grandes áreas nas suas condições naturais, por meio de unidades de conservação, onde possa sobreviver por tempo indefinido o maior número possível de espécies.
A boa notícia é que, em 2010, o Brasil e outros membros da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) aprovaram elevar para 17% a proteção de hábitats terrestre até 2020. Hoje, 12% dos remanescentes florestais são destinados à conservação da biodiversidade. Outro compromisso assumido pelo país, na Convenção sobre Mudança do Clima, foi o de reduzir suas emissões de gases do efeito estufa, principalmente as derivadas do desmatamento.
Porém, enquanto externamente o país defende a permanência das florestas e outras áreas naturais, internamente pode retroceder de forma desastrosa. Como garantir o cumprimento dos compromissos assumidos caso as propostas de alteração do Código Florestal, que reduzem consideravelmente nossas áreas de floresta, sejam aprovadas neste ano?
Em vez de adaptar a lei a favor de quem não a cumpriu, uma forma de garantir esses compromissos seria beneficiar aqueles que sempre mantiveram suas áreas naturais protegidas, contribuindo para a manutenção da qualidade do ambiente e das atividades produtivas. O Brasil dispõe, por exemplo, de mecanismos inovadores de pagamentos de serviços ecossistêmicos, como o Projeto Oásis, que premia financeiramente proprietários de terra em regiões de manancial de São Paulo e Apucarana (PR) por conservarem suas áreas naturais.
A Certificação Life, idealizada por um grupo de instituições não governamentais e empresas do Paraná, é outro exemplo. Ela atende, inclusive, uma demanda da própria CDB, além de ser uma ferramenta que viabiliza a inserção concreta das empresas na conservação da natureza.
O Brasil possui maneiras de contornar suas dificuldades, cumprir seus compromissos e legitimar seu papel de protagonista no cenário mundial. Só precisa encarar o desafio de implementá-las de forma rápida, abrangente e competente, pois as cobranças virão de dentro e de fora. Internacionalmente, o país ficará cada vez mais em evidência, já que detém grande parte das riquezas naturais globais, incluindo a maior floresta tropical, a Amazônia. Nacionalmente, a sociedade já não aceita mais tão facilmente o discurso de que o meio ambiente é entrave para o desenvolvimento e exige que soluções efetivas sejam postas em práticas. Aqui dentro e lá fora, o governo precisa desempenhar um papel decisivo para que não venha a se arrepender depois.
Malu Nunes, engenheira florestal, é mestre em Conservação da Natureza e diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.



