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A decadência tem raízes econômicas. Os clubes de futebol sempre estiveram entre as piores instituições em termos de gestão, eficiência e moral

Abro este artigo fazendo duas afirmações: 1) o futebol brasileiro está em decadência relativa; 2) essa decadência tem raízes econômicas.

O final emocionante do Campeonato Bra­­­sileiro, em que quatro equipes passaram as últimas rodadas alternando as primeiras posições, produziu empolgação e levou muitos jornalistas a exaltarem nosso futebol. Para mim, trata-se de uma ilusão. Se for realizado um campeonato na Somália, haverá um campeão e um vice-campeão, que serão louvados e exaltados. Só que, na Somália, todos os times são ruins, logo, os ganhadores serão sempre ruins. O mesmo ocorre no Brasil.

Os times brasileiros vêm se dando mal quando enfrentam equipes de outros países. No passado, a seleção brasileira dava show e goleadas nos times sul-americanos. Hoje, sofremos para derrotar Chile, Bolívia, Equador, Venezuela, equipes que nunca tiveram expressão. Os maiores times brasileiros começaram a perder para equipes modestas, como a tal LDU e o Universidad do Chile. O Corinthians, campeão de 2012, foi humilhado na Libertadores. O "massacre" do Barcelona sobre o Santos parecia uma brincadeira de "bobinhos" em que o time espanhol ficou 71% do tempo com a posse de bola.

A decadência tem raízes econômicas. Os clubes de futebol sempre estiveram entre as piores instituições em termos de gestão, eficiência e moral. Parte da causa está no "protecionismo". Os clubes de lazer são considerados, por lei, associações civis sem fins lucrativos, em que os sócios pagam para construir e manter equipamentos esportivos e de recreação para uso próprio. Para realizar seus objetivos, os sócios organizam uma pessoa jurídica (a associação), elegem uma diretoria e os valores pagos são considerados despesa pessoal, sem tributação. Assim, as associações não são fiscalizadas pela Receita Federal nem incomodadas pelo Ministério Público.

Nessas associações, nasceram os times de futebol, muitos dos quais se tornaram maiores do que a própria associação em face das receitas com venda de ingressos, patrocínios, publicidade, direito de tevê, venda de atletas e venda de material esportivo. É absurdo que tais receitas sejam isentas de impostos. Livres dos tributos e da fiscalização da Receita Federal, os clubes atraíram para sua direção o que havia de pior no Brasil: contraventores do jogo do bicho, comerciantes de "coisinhas" ilícitas e políticos corruptos. Faz pouco tempo que o futebol começou a atrair empresários e executivos dispostos a tratar o futebol como um negócio e dirigir os clubes como empresas.

Quanto aos atletas, o jogador de futebol típico era um menino talentoso, que vivia na farra e não estudava, longe de ser o atleta profissional de alta performance que o esporte exige. Isso é tão verdade que se formou todo um folclore em torno das bobagens pronunciadas pelos jogadores fora do campo. Com os técnicos não foi diferente. Em sua maioria, eles são ex-jogadores que continuaram sem ciência, sem formação teórica e sem cultura, e se tornaram treinadores apenas porque passaram seus anos como atletas recebendo orientação de técnicos, como eles, sem estudo e sem ciência.

Intriga-me que, apesar das conquistas, o Brasil jamais tenha conseguido emplacar um técnico em qualquer time grande do mundo. A razão é simples: o mundo passou a tratar o futebol como um negócio, estruturado e dirigido com ciência e com teorias, praticado por superatletas alfabetizados e treinados por técnicos cultos e inteligentes. Com isso, o futebol do mundo cresceu, o do Brasil estagnou... e começou a perder.

O protecionismo gera ineficiência. Os produtores de aço nos Estados Unidos, os arrozeiros do Japão, a indústria automobilística brasileira até 1990... são alguns exemplos de atraso e ineficiência decorrente do protecionismo governamental. Quando foi ministro do esporte, Pelé tentou aprovar lei transformando os clubes em empresas, submetidas a tributação e fiscalização. Não conseguiu.

A soma de protecionismo, dirigente despreparado e pouco ético, atleta meio malandro, técnico amador e clube não empresarial só podia dar no que deu. A decadência é notória, como mostra o atual ranking da Fifa, que coloca a seleção brasileira na sexta posição. Uma ressalva: há muita gente honesta e competente no futebol; não fosse isso, a coisa estaria muito pior.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

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