• Carregando...

Marco Aurélio Garcia parece ter uma aproximação, embora bastante precária, com o pensamento de esquerda. Guin­­dado à função de assessor da Presidência da República para assuntos relativos às relações internacionais, Garcia se faz presente em assuntos da diplomacia brasileira quase na mesma intensidade que o chanceler Celso Amorim. Ambos são os conselheiros do presidente Lula em assuntos de relações internacionais e diplomáticos.

O presidente Lula, com sua personalidade e seu carisma, tem favorecido a política externa brasileira e ampliado o peso do Brasil na geopolítica internacional, sendo admirado por chefes de Estado de vários países. Isso marca uma nova era na política internacional brasileira, e o presidente Lula tem sido um dos grandes responsáveis pelo seu sucesso. Entretanto, esse sucesso da agenda internacional tem sido acompanhado de várias distorções e Lula não está isento das responsabilidades dessas distorções. Orientado pelos seus conselheiros, o chefe de Estado tem se apoiado em discursos cujos fundamentos se encontram em uma leitura ultrapassada e dogmática de uma ideologia identificada com práticas que são servidas com cobertura de uma visão de esquerda democrática, mas que mais se aproximam de concepções próprias de estatismo autoritário.

Assim, a diplomacia brasileira tem reservado surpresas de péssimo gosto e de falta de equilíbrio e maturidade para um país que se assume como uma democracia, que afirma ter vencido regimes autoritários.

A recente visita de Lula a Israel expôs a condução errática da diplomacia brasileira. O assessor Garcia lançou a seguinte questão: "Será que se os problemas de nascimento do fundamentalismo, de ameaça de terrorismo em outras partes do mundo, existiriam se a questão palestina tivesse sido resolvida há mais tempo?" O assessor Garcia inaugura a política da especulação. "Será que se?". Fundamentalismo é a consideração aos princípios fundamentais das religiões, tanto islâmica, como judaica e cristã, e nasce com estas. O assessor Garcia utiliza o termo fundamentalismo de forma pejorativa e demonstra desconhecimento de história ao relacionar o nascimento e a continuidade do fundamentalismo à questão palestina.

De escolhas em escolhas, distorções seletivas em distorções seletivas, segue a diplomacia brasileira apoiando regimes autoritários, nacionalismos populistas, ditaduras explícitas ou disfarçadas, não por erros de avaliação, mas por adesão ideológica. A identidade com esses estranhos representantes do que há de pior na cena política não é ingenuidade. Quando o assessor Garcia afirma que "o Irã pode contribuir para uma solução pacífica na questão palestina", é por demais evidente que nem ele mesmo acredita nessa asneira. Como também não pode acreditar, a não ser por uma idolatria sem medida, que o presidente Lula seja o "mensageiro da paz do Oriente Médio". Há um jogo de interesses neste campo.

Os problemas do Oriente Médio são históricos e muito mais complexos do que a farta imaginação política e filosófica do assessor Garcia. Se a questão israelo-palestina tem, como o assessor afirma, "altíssimo potencial de destabilização global" e por isso merece uma intervenção internacional, também o tem o beneficiamento de urânio pelo governo Ahmadinejad do Irã, processo este que para o assessor Garcia tem apenas "fins pacíficos". Essa concepção em que se contrapõem dois pesos para duas medidas é claramente ideológica e não diplomática. Por isso a ideia da política externa brasileira de fazer do presidente Lula o grande artífice da paz no Oriente Médio não apenas ignora a realidade histórica, como é pretensiosa. Qualquer ajuda isenta é necessária e louvável, mas é preciso uma diplomacia com a humildade dos sábios, com o conhecimento amplo da realidade, com discernimento e equilíbrio.

Uma diplomacia que não se baseie em maus conselhos de assessores despreparados. A diplomacia brasileira, por exemplo, recusou o convite feito ao presidente Lula pelo governo de Israel para visitar o túmulo de Theodor Herzl, considerado o pai do sionismo, alegando questões de agenda e oferecendo desculpas formais. Esse é um tipo de indelicadeza que uma diplomacia não comete.

Não é preciso nenhum esforço para ver o quanto falta para a atual diplomacia brasileira dos conselheiros alcançar um nível verdadeiramente equilibrado e diplomático. Mas é necessário reafirmar que diplomacia é uma atividade de Estado e não de governo e que por isso não pode ser deixada sob o comando de conselheiros inexperientes, de aventureiros das relações internacionais, de contumazes intolerantes, de pessoas que têm atitudes discriminatórias incondicionadas e que se prestam a manifestações de hostilidades seletivas.

José Henrique de Faria é professor do programa de mestrado em Organizações e Desenvolvimento da FAE-PR e do programa de pós-graduação (mestrado e doutorado) em Educação da UFPR. Reitor da UFPR no período 1994-1998

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]