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Nas ruas, nas escolas, filas de banco, caixas de supermercado, igrejas, velórios... Em todos os lugares aonde vamos, nos deparamos com um retrato cada vez mais comum desses novos tempos. O sujeito, levemente arcado para a frente, olhos fixos em um aparelho de pouco mais de 200 gramas, esboçando sorrisos ou frisando as sobrancelhas, completamente imerso em um universo solitário e, ao mesmo tempo, intensamente coletivo. Os dedos correm de forma veloz na tela touch e a precisão quase cirúrgica dos movimentos para acertar os caracteres impressiona os mais velhos e estimula a competição entre os adolescentes.

O cenário descrito acima se tornou banal. Uma realidade que não há mais como frear: a tecnologia, que tanto nos fascina, veio para ficar. O autor deste texto (que, acreditem, foi escrito em um celular) tem 26 anos e é adepto de todas essas tecnologias. Talvez por isso tenha percebido que as mudanças pelas quais estamos passando não sejam somente da tecnologia, mas também (e principalmente) mudanças que refletem diretamente na ideia de quem somos e de como transmitimos isso aos outros.

Muitas vezes não conseguimos transmitir o que realmente desejamos apenas com palavras

Explico: estudos sobre comunicação já amplamente difundidos ensinam que a mensagem, embora seja propagada de forma mais comum pela fala ou escrita, também utiliza como meio de transmissão fundamental (e às vezes até mais intenso) outras ferramentas que compõem nossos cinco sentidos. Os olhos, o tato, o tom de nossa voz, o cheiro, até nossa postura. Nosso corpo está equipado com diversas ferramentas capazes de captar e transmitir uma mensagem.

É fácil de testar. Sorria para alguém na rua. Sem dizer uma palavra, apenas olhe profundamente os olhos de quem ama, toque a mão de alguém quando este transborda de raiva, dê um abraço. A mensagem que desejamos passar adiante, elaborada em nossas mentes com base em nossa personalidade, será transmitida com profunda intensidade e eficácia. Aí é que está a questão. Muitas vezes não conseguimos transmitir o que realmente desejamos apenas com palavras.

Facebook, WhatsApp e todas as plataformas de mensagem instantâneas nos trouxeram imensa facilidade de comunicação, nos conectam com as pessoas que queremos, não importa onde estejam, e nos permitem um nível de interação que jamais experimentamos antes. Mas não nos permitem o tato. Privam-nos do prazer de um olhar, nos amputam o poder de um simples toque. Ora, se nossa personalidade, ou a mensagem que desejamos comunicar, é demonstrada pelo que exteriorizamos ao mundo por meio de todos os nossos sentidos, quando estamos limitados a apenas uma ferramenta – no caso, a escrita – temos grande dificuldade de expressar o que realmente queremos comunicar e, por consequência, quem realmente somos.

Prova disso é a tentativa de demonstrar nossa feição por meio dos emojis, aquelas caretinhas que acompanham toda a mensagem de texto, ou mesmo de descrições de nossas sensações, tais como “não estou brigando” ou “tô falando com você na boa”. Dia desses, uma namorada disse a um amigo: “não gosto de você pelo Whats... você é muito seco, sua personalidade por aqui é péssima”. Isso nos serve de alerta e reflete que estamos limitando de maneira prejudicial nossa capacidade plena de comunicar. Como consequência, a pergunta “quem sou eu?”, que muitas vezes nos consome, foi substituída pelo “quem sou eu no Whats?”, “quem sou eu no Face?” e, afinal, “quem sou eu de verdade?”

Nossa construção pessoal, ou a ideia que temos de nós mesmos, passa necessariamente pelo que pensamos do mundo e pelo que o mundo pensa de nós. A forma como a sociedade nos enxerga depende muito de como comunicamos nossos pontos de vista, como exteriorizamos nossa maneira de pensar, gerando um ciclo construtivo. Se o mundo nos diz que somos pessoas bondosas, com base em nossas demonstrações de bondade, acabamos acreditando nisso e desenvolvemos ainda mais nosso lado bondoso. Ao restringirmos nossos meios de exteriorizar nossos sentimentos e até opiniões, estamos impactando de forma considerável essas referências externas de nós mesmos, criando uma confusão de identidade. A imagem que outras pessoas têm de nós se torna nebulosa. Temos amigos que nos parecem um tipo de pessoa no Facebook e que sabemos ser outra na vida real. Como explicar tamanha diferença?

Como qualquer outra ferramenta da vida moderna, após um período de plena empolgação, acabamos amadurecendo e descobrimos como usar os avanços tecnológicos com moderação. A verdade é que nada substitui o tom de voz, a forma de olhar e uma boa risada. As mensagens transmitidas pelos nossos sentidos, corpo a corpo, nos atingem com força que as palavras acompanhadas de emojis jamais farão. Este artigo é completamente despido do comprometimento com as teorias psicológicas de personalidade. É quase uma crônica, que tem como objetivo único alertar o caro leitor a dar um pouco mais de atenção à sua personalidade “extraPhone” e não permitir que nossas outras ferramentas de linguagem, tão preciosas e eficazes, se tornem atrofiadas com o passar do tempo.

Felipi Barros é advogado.
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