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Sínteses – Servidor deveria poder ser demitido por mau desempenho?

A estabilidade não dá direito à comodidade

(Foto: Felipe Lima)

Circulam notícias a respeito do Projeto de Lei Complementar 116/2017, que pretende regulamentar a demissão de servidores públicos estáveis em razão de mau desempenho no exercício de suas funções. O tema, seguindo a moda da atual conjuntura nacional, tem despertado a ira de críticos e defensores, que privilegiam o embate em detrimento do debate. É preciso encarar a questão com parcimônia.

De um lado, a possibilidade de demissão de servidores públicos estáveis em razão de mau desempenho em seus cargos é expressamente prevista na Constituição (artigo 41, §1.º, III). Ocorre que tal dispositivo demanda lei complementar para regulamentar o procedimento denominado Avaliação Periódica de Desempenho (APD) e, na ausência de tal lei, a APD nunca pôde ser realizada. O PLS 116/2017 surge com a finalidade de regulamentar a norma em questão, viabilizando a condução de APDs para aferir a produtividade de servidores públicos estáveis. A intenção é louvável, visto que estabilidade não é sinônimo de perpetuidade ou de direito à comodidade.

É fundamental garantir que a regulamentação da APD respeite as balizas do direito à estabilidade

Do ponto de vista do cidadão, a atuação diligente dos agentes públicos configura fundamental contrapartida aos tributos recolhidos, e realizar APDs significa apenas demandar dos servidores que se dediquem às funções que almejaram após aprovação nos concorridos concursos públicos nacionais. Do ponto de vista do servidor, a APD tem o mérito de prestigiar o bom profissional à medida que nivela a qualidade do serviço por cima, contribuindo para diluir a inverídica pecha de ineficiência generalizada atribuída pelo senso comum.

Todavia, a APD não pode configurar válvula de escape para violar o direito à estabilidade, garantia dos servidores públicos que também tem status constitucional, derivada do fato de terem acessado seus cargos de maneira meritocrática, mediante aprovação em procedimento seletivo público, isonômico e altamente competitivo. Definitivamente, estabilidade não é sinônimo de ineficiência. Assim, se de um lado é dever da administração pública buscar o bom desempenho de seus agentes, por intermédio das APDs, de outro lado é direito fundamental dos servidores exigir que a APD seja realizada mediante efetivo processo administrativo, com direito ao contraditório e à ampla defesa; que os critérios de avaliação sejam claros e objetivos; e que as avaliações sejam realizadas de maneira absolutamente impessoal.

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São, infelizmente, notáveis os casos de processos disciplinares (semelhantes às APDs, mas com objetivo diverso) movidos contra servidores em retaliação por divergências político-ideológicas ou desavenças pessoais. É impensável que APDs sejam conduzidas com essa finalidade – e é por isso que o PLS 116/2017 contém algumas máculas em sua redação original, a exemplo do artigo 15, que afirma competir individualmente à “chefia imediata” realizar a avaliação de seus subordinados, situação que facilita a condução de APDs de maneira persecutória. É fundamental garantir que a regulamentação da APD respeite as balizas do direito à estabilidade.

Aliás, em demonstração de maturidade institucional, seria interessante aproveitar a oportunidade para, ampliando o escopo do artigo 41, §1.º, III da Constituição, instituir APD para todos os cargos públicos, abrangendo cargos políticos, cargos tidos por “vitalícios” e cargos em comissão. Por que não?

Fernando Menegat, advogado e doutorando em Direito, é professor de Direito Administrativo da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo.

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