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A estratégia de Mandetta

Luiz Henrique Mandetta comandou o Ministério da Saúde por quase um ano e quatro meses: saída ocorre após desgaste com o presidente da República.
Luiz Henrique Mandetta comandou o Ministério da Saúde por quase um ano e quatro meses. (Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil)

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A demissão de Luiz Henrique Mandetta do cargo de ministro da Saúde, em dia 16 de abril, conclui um dos capítulos da crise instalada entre ele e o presidente da República, permitindo-nos fazer uma análise a respeito da atuação destes atores políticos na arena pública brasileira, em especial de Mandetta.

Mandetta e Bolsonaro são dois ex-deputados federais que seguem caminhos distintos na construção de narrativas políticas diante da pandemia do novo coronavírus, o que se deve, em grande parte, pela origem política de ambos. Enquanto Bolsonaro sempre se colocou na posição de outsider da política, apresentando-se inclusive como uma antítese desta, Mandetta é um político por excelência, como fez questão de frisar na reunião com a Frente Nacional dos Prefeitos. Como político experiente, soube usar a crise como um catalisador para o crescimento de sua imagem.

Mandetta tinha duas possibilidades. A primeira, aderir ao posicionamento do presidente e recuar diante das orientações da OMS, continuando ministro, mas com um espaço público reduzido e sendo apenas mais um negacionista entre tantos do governo. Mas decidiu por se apresentar publicamente como um técnico racional, cuja principal preocupação era o trabalho em prol da saúde e das vidas ao lado do discurso mainstream da ciência, colocando-se em rota de colisão com seu chefe imediato.

Ao optar pelo segundo caminho, Mandetta garantiu alguns trunfos importantes: uma narrativa de abnegação e dever (“médico não abandona seu paciente”); caráter e valores morais (“aprendi com meu pai”); companheirismo e fidelidade com a equipe (“entramos juntos, sairemos juntos”); e alternou momentos de cansaço e irritação, justificados pelo excesso de trabalho e estresse, com descontração e bom humor, representando aquele sujeito boa praça com quem as pessoas se sentem confortáveis em tomar um café. Ou seja, um storytelling completo, somado, ainda, à adesão de parte significativa da mídia e do campo moderado do Congresso Nacional. A conquista política foi alcançada por mérito próprio, mas também por ser um contraponto ao presidente dentro de seu próprio governo.

A atuação de Mandetta nos ensina sete lições fundamentais na política: 1. é importante identificar e definir com quais públicos se pretende falar e conquistar a simpatia; 2. ter uma narrativa coerente com sua trajetória; 3. em momentos de crise a população almeja por segurança e experiência; 4. criar empatia com a audiência e mostrar que a preocupação deles também é a sua; 5. aproveitar ao máximo o espaço e as oportunidades – a entrevista para o Fantástico consolidou a sua versão do conflito; 6. jogar em time – ele teve ao seu lado os presidentes da Câmara e do Senado, ambos do seu partido (DEM); e 7. constância no discurso para que a mensagem seja fixada – Mandetta repetia suas mensagens insistentemente: ciência, trabalho (lavoro), vidas.

Ao sair do ministério antes de um eventual pico de morticínio, Mandetta poderá se eximir da responsabilidade por quaisquer problemas na condução da política sanitária. Caso a situação não se agrave, poderá avocar para si os méritos de ter realizado as medidas necessárias no tempo oportuno.

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Os movimentos foram pensados, não havia ingenuidade. Não afirmo, com isso, que a motivação dele tenha sido cínica, mas sim planejada, calculada, com estratégia, o que é fundamental para qualquer agente político.

Mandetta com certeza sai maior do que entrou. Uma série de pesquisas aponta que tanto sua atuação pessoal quanto a do Ministério da Saúde foram melhores que a do presidente durante toda a pandemia e, no momento de sua saída, 64% dos ouvidos pelo Datafolha discordaram da atitude do presidente em demiti-lo.

Não analiso se Bolsonaro agiu bem ou mal nesta demissão, tampouco avalio a atuação do ministro na pasta da Saúde; porém, com base na ciência política, na estratégia e em aspectos de comunicação, o ex-ministro foi muito bem e se habilita para seguir jogando. O capítulo terminou, mas ainda veremos muitos outros até 2022.

Jeulliano Pedroso é sociólogo e analista político.

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