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 | Leopoldo Silva/Agência Senado
| Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

Estamos às vésperas do período eleitoral e o quadro político começa a se desenhar com mais nitidez. De 20 de julho a 5 de agosto, os partidos devem realizar convenções para escolher quem serão seus representantes para a disputa dos cargos eleitorais, cujos registros de candidatura devem ser apresentados perante a Justiça Eleitoral até dia 15 de agosto.

Até essa mesma data, há outra situação que muitos partidos e candidatos acabam deixando em segundo plano. O artigo 11, parágrafo 5.º da Lei 9.504/1997 estabelece que “os Tribunais e Conselhos de Contas deverão tornar disponíveis à Justiça Eleitoral a relação dos que tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, ressalvados os casos em que a questão estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, ou que haja sentença judicial favorável ao interessado”.

É comum nesse período serem veiculadas notícias informando que os Tribunais de Contas tornaram públicas e entregaram aos tribunais eleitorais as chamadas “Listas de Agentes Públicos com Contas Julgadas Irregulares”. Ocorre que a divulgação dessas listas dá azo a uma série de consequências, sendo uma delas a veiculação de matérias divulgando uma relação de nomes de candidatos e anunciando-a como a “lista dos inelegíveis”.

É preciso que estejam configurados todos os requisitos previstos na Lei das Inelegibilidades para que ele seja declarado inelegível

É por causa da sua finalidade que a lista passou a ser equivocadamente chamada assim. Digo “equivocadamente” porque nem todo gestor que tem contas irregulares está inelegível. O fato de ter seu nome veiculado na lista do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), por exemplo, não implica necessariamente na inelegibilidade de determinado agente público. É preciso que estejam configurados todos os requisitos previstos na Lei das Inelegibilidades para que ele seja declarado inelegível – ato e competência exclusiva da Justiça Eleitoral, na análise do registro de candidatura.

Conforme a Lei da Ficha Limpa, para que se configure a inelegibilidade, faz-se necessário demonstrar que o problema que motivou a rejeição das contas configura “irregularidade insanável decorrente de ato doloso de improbidade administrativa”. Ocorre que essa análise ainda gera discussões.

Primeiro, em relação ao critério da “insanabilidade”. Não se tem claro (previsto legalmente) o que seria insanável; a noção de insanabilidade fica a critério da discricionariedade de alguém dizer ou declarar tal condição. E é justamente sobre a quem compete dizer isso onde mora o problema. A Justiça Eleitoral é recorrente em chamar para si a competência de, ao analisar o caso (a conta julgada irregular pelo TCE), atestar a condição de insanabilidade. Todavia, por se tratar de julgamento de contas, há quem diga que a seara eleitoral não seria ambiente mais propício para uma efetiva declaração da insanabilidade ou não de determinada irregularidade.

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A segunda discussão é relativa à caracterização de “ato doloso de improbidade administrativa”. Igualmente, a Justiça Eleitoral se diz competente para fazer o chamado enquadramento fático da inelegibilidade, analisando o caso concreto apresentado na ação eleitoral própria para impugnação do registro de candidatura. Ou seja, ao declarar uma inelegibilidade decorrente de contas irregulares, a Justiça Eleitoral atesta a prática de um ato de improbidade administrativa. E vai além: atesta que esse ato foi cometido na sua forma dolosa, a mais grave.

Aqui, novamente emerge o problema da competência. Isso porque a Lei de Improbidade Administrativa delegou à Justiça Comum o julgamento de atos de improbidade administrava, no qual, após amplo exercício do contraditório e da ampla defesa, chega-se a uma decisão que declara a prática de ato de improbidade e a forma pela qual foi praticada, se dolosa ou culposa, em suas variações.

Veja-se que dolo é conduta personalíssima do agente (vontade consciente de praticar o ato ilícito) e só pode ser aferido com ampla e robusta instrução probatória, como ocorre na Justiça Comum, na forma prevista em lei. Não há, no processo de julgamento de contas no Tribunal de Contas e muito menos no processo de impugnação de registro de candidatura que tramita na Justiça Eleitoral, espaço para esse contraditório (nem sequer há depoimento pessoal ou oitiva de testemunhas). Esse contexto torna o julgamento do registro de candidatura, em relação à existência de dolo, um julgamento em tese, sem observância do devido processo legal e em clara violação ao princípio do juiz natural.

Como não há perspectiva de mudança na jurisprudência em relação às competências da Justiça Eleitoral, nem sobre a análise e declaração dos critérios cumulativos para a existência de uma inelegibilidade, mais do que nunca, as atenções se voltam para os processos de prestação de contas no âmbito das Cortes de Contas. Isso porque a Justiça Eleitoral se baseia única e exclusivamente no teor das decisões do TCE para realizar o enquadramento jurídico das irregularidades, a fim de aferir se há ou não a presença dos requisitos.

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O problema está no conteúdo das decisões do TCE. Muito porque nessa seara são julgadas contas e não pessoas. As decisões não adentram em aspectos que delimitem com precisão a efetiva participação de todos os agentes envolvidos no cometimento da irregularidade, inclusive daqueles cujas condutas são indiretas ao ato irregular. Necessitam maiores esclarecimentos, a fim de identificar o que, de fato, levou à desaprovação das contas. Note-se que as contas são do prefeito ou de outro agente que esteja na condição de ordenador de despesa; todavia, não raro a conduta ilícita (o ato de improbidade, que pode ter sido praticado inclusive de forma dolosa) é de outro agente, de segundo ou terceiro escalão, que nem sequer figura no polo passivo do processo no TCE.

Fato é que o TCE-PR está cada vez mais rigoroso e tem evoluído muito no processamento dos seus feitos, desde o controle operacional da gestão, por meio dos sistemas informatizados de informações que são alimentados diariamente pelos municípios, mas também no controle a posteriori, quando julga contas ou emite pareceres nas prestações de contas anuais dos prefeitos.

Além disso, os efeitos das decisões proferidas pelos Tribunais de Contas têm sido muito mais sensíveis àqueles que se pretendem candidatos. Não é à toa que as desaprovações de contas têm sido as principais causas das inelegibilidades em todo o país. Portanto, a dica aos agentes políticos, especialmente com pretensões eleitorais, é: deem especial atenção aos processos em trâmite nas Cortes de Contas, pois, como diria o ditado popular, “marmelada na hora da morte mata!”.

Moisés Pessuti, advogado, consultor jurídico, pós-graduado em Direito Administrativo e Direito e Processo Eleitoral e mestrando em Direito Constitucional, é presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (Iprade) e membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
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