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O Brasil caminha para mais um ciclo de irresponsabilidade fiscal, agravado por decisões políticas tomadas tanto no Congresso quanto no Palácio do Planalto. Em meio ao debate sobre a alta dos gastos públicos e o rombo crescente nas contas do governo, é cada vez mais evidente que a atual gestão deixará para seu sucessor uma fatura bilionária: estimativas apontam que as obrigações financeiras herdadas pelo próximo presidente superarão os R$ 155 bilhões.
O cenário atual não se construiu do dia para a noite. Algumas PECs aprovadas no governo anterior, como o aumento do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) e do FPM (Fundo de Participação dos Municípios), de fato impuseram pressões adicionais ao orçamento do atual governo. Entre 2023 e 2026, esses dispositivos custarão R$ 82 bilhões ao Tesouro Nacional, segundo dados apresentados pelo Ministério da Fazenda.
Contudo, o governo do presidente Lula não apenas manteve essa trajetória de gastos como a ampliou, utilizando as mesmas estratégias: repasses escalonados, fundos de compensação e medidas populares, com forte apelo político, cujos custos efetivos só serão sentidos nas gestões seguintes.
Entre as medidas mais emblemáticas está a criação dos fundos regionais vinculados à Reforma Tributária, cujo impacto financeiro está estimado em R$ 158,5 bilhões entre 2027 e 2030, conforme cálculos da competentíssima Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal.
Esses fundos foram concebidos para compensar perdas dos estados e atrair investimentos, porém, esqueceram-se de indicar a fonte de financiamento. Na prática, o governo atual empurrou para o próximo presidente o ônus de honrar compromissos que beneficiarão politicamente o presente, à custa do futuro.
A tão falada “contabilidade criativa”, exaustivamente criticada (com razão) no então governo Dilma 2, nunca saiu do cotidiano da política nacional. Atualmente, o Executivo classificou parte desses valores como "despesa financeira", excluindo-os das metas fiscais. No curto prazo, a estratégia permite mascarar o aumento do déficit. No médio e longo prazo, impõe ao Brasil uma esquizofrenia orçamentária.
É muito importante destacar que essa deterioração fiscal ocorre mesmo com uma arrecadação federal recorde. Segundo dados da Receita Federal, de janeiro a maio de 2024, a arrecadação totalizou R$ 1,18 trilhão, o maior valor para o período desde o início da série histórica. Em 2023, a arrecadação federal líquida já havia ultrapassado R$ 2,28 trilhões. É muito dinheiro!
Apesar do fôlego proporcionado pelo aumento da receita – sim, de fato ainda puxado por commodities, exportações e alta carga tributária sobre setores estratégicos – as despesas estão muito superiores à receita, ainda sem contar o pagamento de juros. Para 2024, o governo já reconhece a impossibilidade de zerar o déficit, abandonando uma das principais promessas feitas no início da gestão do ministro Haddad.
É preciso reconhecer que parte dessa conta também é resultado da política fiscal de outros governos. Sob Bolsonaro, medidas como a PEC dos Precatórios e o pacote eleitoral de 2022, com redução de impostos estaduais sobre combustíveis e energia, ampliaram o rombo estrutural.
Ressalto que o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, foi contra as PECs de aumento do Fundeb e do FPM, porém, foi voto vencido quando a proposta chegou ao Congresso.
O atual governo, em vez de corrigir esse desequilíbrio, o aprofundou. A PEC da Transição, aprovada no início do mandato do presidente Lula, elevou o teto de gastos em quase 2% do PIB para viabilizar promessas eleitorais, como a ampliação do Bolsa Família.
Somam-se a isso o aumento do piso salarial dos professores em quase 70% desde 2020 e o crescimento de repasses obrigatórios a estados e municípios sem contrapartida efetiva de metas ou produtividade. O que é uma vergonha em pleno 2025!
É impossível ignorar as graves consequências dessa trajetória. Quando governos, independentemente de suas cores partidárias, gastam muito mais do que arrecadam – mesmo em cenários de receita recorde, como é hoje — o resultado inevitável é o desequilíbrio macroeconômico.
A dívida pública bruta brasileira, que atualmente gira em torno de 75% do PIB, pode ultrapassar a marca de 90% na próxima década se o atual ritmo de gastos for mantido, segundo projeções do Tesouro Nacional e do FMI. O aumento do endividamento pressiona a taxa de juros, afugenta investimentos internacionais e reduz a capacidade do Estado de financiar políticas estruturantes.
Em última instância, a irresponsabilidade fiscal se traduz em recessão, desemprego e crise financeira. Sem confiança dos mercados e com um orçamento estrangulado por despesas obrigatórias, o Brasil caminha para um cenário de estagnação prolongada.
A população mais pobre, como sempre, será a mais afetada, com cortes em serviços públicos essenciais, aumento do custo de vida e retração econômica
A história recente já mostrou o que acontece quando o populismo fiscal ignora a matemática econômica. O próximo governo herdará não apenas uma dívida bilionária, mas também a ingrata tarefa de reverter uma crise anunciada – construída, em boa parte, pelas decisões irresponsáveis do presente.
Diante do agudo agravamento fiscal e orçamentário que o Brasil atravessa, o cenário eleitoral de 2026 precisará ser antecipado.
A dívida crescente e os compromissos empurrados irresponsavelmente para o futuro já anunciam uma grande crise que dificilmente será contida sem reformas profundas e decisões impopulares.
Nesse contexto, a classe política brasileira terá um desafio complexo e inédito: a escolha do próximo presidente da República não poderá se limitar ao tradicional jogo eleitoral ou ao populismo de campanha.
“O escolhido” para liderar o país de 2027 a 2030 precisará, ainda em 2026, mostrar sua capacidade de aglutinar interesses políticos, exigindo (essa é a palavra) que o Parlamento assuma responsabilidades impopulares antes mesmo do resultado da eleição, ou correrá sérios riscos de ser emparedado pelo Parlamento em um novo processo de impeachment.
Marcus Deois é sócio-diretor da consultoria ÉTICA Inteligência Política.



