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| Foto: Pedro Ribas/SMCS

As recentes ações perpetradas pelo Estado brasileiro sobre as liberdades individuais das pessoas acendeu um alerta preocupante para o bom andamento da democracia. Desde a liberdade de expressão, em que questionamentos ou críticas tornaram-se crimes imaginários, até a objeção de consciência acerca de não se vacinar, especialmente com a mais recente obrigatoriedade em vacinar crianças de 5 a 11 anos de idade. Na verdade, esse não parece ser só um problema brasileiro, mas global. Até os Estados Unidos da América estão em dilema semelhante. A vantagem dos EUA é que a Suprema Corte brecou a tentativa de obrigatoriedade imposta pelo governo Biden.

Ao ler e assistir às notícias sobre imposições, tive a nítida sensação de que o período medieval havia ressurgido. As falas do Ministério Público e Judiciário brasileiros me reportaram para a Baixa Idade Média, quando atos desumanos ameaçaram e efetivaram a apreensão de crianças da guarda dos seus pais. Eis uma fala do MP-RS: “O Ministério Público dará um prazo para que a família faça a vacinação voluntariamente. Se os pais não fizerem, poderão ser tomadas medidas judiciais de busca e apreensão da criança, que será levada à vacinação”. Da mesma forma, o juiz da Vara da Infância e da Juventude de Rio Preto (SP), Evandro Pelarin, disse que a vacinação de criança é obrigatória e os pais que deixarem de imunizar os filhos podem ser multados, processados e até perder a guarda.

Parece que a autoridade médica foi trocada por canetadas de pessoas que nem sequer sabem ler a “bula" de uma medicação. É assombroso presenciar ordens descabidas sem poder questioná-las, baseadas na sentença impositiva: “Ordem judicial não se questiona, se cumpre”. Soa estranho, pois os defensores do Iluminismo imaginário, ao rechaçarem o poder absolutista do Rei e da Igreja, parecem criar um absolutismo assustador que não difere muito do anterior.

Ao que tudo indica, o grande dilema global no que se refere a ciência é a falta de raciocínio. De acordo com Samuel Gregg em Reason, Faith, and the Struggle for Western Civilization, “o cientificismo é a amputação da razão”. Para ele, esse cientificismo é baseado nas ciências naturais e outorga ao cientista autoridade quase religiosa. No contexto atual da pandemia, temos presenciado cancelamentos de debates e a destruição de reputação de quem ousa questionar, chegando ao ponto de censurar e prender, obrigando indivíduos a se exilarem do país.

Gregg parece não estar sozinho neste pensamento, pois Yuval Harari, em Sapiens: uma breve história da humanidade, não só insere o naturalismo como religião, mas toda uma gama de ideologias que surgiram a partir do mundo moderno. Partindo desse pressuposto, não custa nada olhar a força do Estado como um aparente porta-voz de uma suposta religião global que se bifurca em várias vertentes com um único objetivo: dominar as pessoas pelo medo e torná-las subservientes a métodos sem nenhuma fundamentação lógica ou científica.

A impressão é a de que estamos presenciando um plano diabólico para cercear liberdades através do medo. Na referida associação inicial com o período medieval, reporto-me ao ocorrido em 30 de novembro de 1496, quando aconteceu o casamento entre o rei de Portugal e a princesa da Espanha com o intuito de livrar não só a Espanha, mas toda a região ibérica, da presença dos judeus. De acordo com Hans Borger, em sua obra Uma História do Povo Judeu: de Canaã à Espanha, volume 1, quatro dias após o casamento “os judeus receberam a ordem de expulsão ou batismo, em um prazo marcado de dez meses”. Pensando melhor no prejuízo econômico que o país teria, dom Manuel optou em batizar em vez de exilar os judeus. Para Borger, o plano diabólico foi o seguinte: “raptar e batizar todas as crianças, entre 4 e 14 anos, e separá-las dos pais, a não ser que esses também aceitassem o batismo”.

A descrição de Borger é chocante ao relatar que, no primeiro dia de Páscoa, clérigos arrebanharam uma multidão de crianças com o intuito de segregação e batismo forçado. Para que os pais tivessem os filhos novamente, só se convertendo forçadamente. Daí vem o nome “cristão novo”. O ato foi tão desumano que, após a agressão feita às crianças, os “homens foram arrastados às fontes batismais pelas barbas, as mulheres pelos cabelos. Mães desesperadas se suicidavam; pais agarravam filhos pequenos e pulavam para dentro dos poços. Valia tudo para não ser maculado pela água benta. O horror do inferno português não tinha tamanho”.

Esse episódio do século 15 não foi um fato medieval isolado. Já na Alta Idade Média, em 716, o imperador Leão III “publicou um decreto que ordenava o batismo forçado de judeus”. No século 9.º, o imperador Basílio faz o mesmo ao decretar o batismo forçado de judeus. No século 10.º, o imperador romano Lecapeno I “procurou converter à força a população judaica de Constantinopla e do Império Bizantino”. Além dessas aberrações, também houve a atitude de Leão VI proibindo a venda de seda para os judeus, descrita, por exemplo, em A Tradição Judaico-Grega na Antiguidade e no Império Bizantino, de James K. Aitken e James C. Paget.

O Brasil e o mundo parecem viver dias escuros. Já não basta uma pandemia que causa dor, medo e mortes aos cidadãos do planeta; agora, os mesmos têm de se submeter a decretos esdrúxulos em que nenhuma responsabilidade civil é debitada na conta dos que se dizem democratas e iluminados, mas que optaram por uma tirania mascarada de altruísmo em prol do bem comum. E tudo à luz do dia, regado a aplausos de intelectuais, jornalistas e autoridades, que dão a entender não estarem preocupados com a individualidade das pessoas em um momento de fragilidade.

Em nome de uma ciência que não pode ser questionada, mas que não dá garantias daquilo que se quer impor, liberdades são roubadas para submeter pessoas a dogmas em que elas não acreditam. Isso vai desde a vacinação forçada às imposições abortistas e temáticas identitárias. Se até mesmo o criador da vacina é cancelado por dizer que ela não deve ser aplicada em crianças, imaginem os pobres mortais com as suas crenças e valores!

Se até mesmo o criador da vacina é cancelado por dizer que ela não deve ser aplicada em crianças, imaginem os pobres mortais com as suas crenças e valores

As coisas ficam ainda mais confusas com as dubiedades da Justiça brasileira, no que se refere às ações perpetradas por partidos políticos. Nesta quarta-feira, o ministro Ricardo Lewandowski acatou com urgência um pedido da Rede Sustentabilidade e determinou que “Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal (...) empreendam medidas necessárias para o cumprimento do disposto nos referidos preceitos normativos quanto à vacinação de menores contra a Covid-19”. Momentos depois, o presidente da República, Jair Bolsonaro, em entrevista ao programa Os Pingos Nos Is, da rádio Jovem Pan, veio a público dizer que pediu explicações ao ministro Lewandowski e o mesmo havia deixado claro que não havia intenção por parte dele que a autorização de buscar os pais para aplicar sanções fosse dada a prefeitos e governadores.

Ora, no momento em que a suprema corte do país, por ocasião do início da pandemia, transfere o poder de decisão do presidente da República para governadores e prefeitos, uma ordem como essa é suficiente para aterrorizar a população e receber aplausos dos que sabotam o país. Para resolver esse impasse, o ministro Lewandowski deve vir a público e expressar o que realmente ele quis dizer; do contrário, não respeitarão a fala do presidente e a obrigatoriedade continuará.

Sem dúvidas, as vacinas foram muito importantes para desafogar hospitais e, de uma forma emergencial, contribuir para conter o vírus. No entanto, como bem disse Roberto Zeballos em sua entrevista ao Direto ao Ponto em 10 de janeiro, “o vírus sofreu mutações e as vacinas precisam ser atualizadas”. Não quero colocar aqui as perguntas que tenho, pois muitas delas já constam nas mentes de milhões de pessoas. No que se refere à obrigatoriedade da vacinação em crianças, é só fazer as contas. E, se quiserem utilizar mais números, usem o Método das Partidas Dobradas; possivelmente, o razonete também não fecha.

Os tempos estão muito estranhos. As redes sociais são a prova de que as guilhotinas foram abertas e a caça às bruxas tem se intensificado. Assim como o povo judeu sofreu por sua fé, parece não estar longe o tempo de presenciarmos, em nossos dias, severas sanções à objeção de consciência, seja por causa de vacinas, opiniões ou até mesmo por convicções religiosas. Fiquemos alertas, pois a irracionalidade parece ter tomado conta do Ocidente.

Célio Barcellos é escritor, blogueiro e estudante de Jornalismo.

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