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Em sua campanha presidencial em 1919, Ruy Barbosa proferiu o discurso “Como apodrece uma nação", dizendo que a política brasileira, então, era feita no porão, no escuro. Pois hoje, mais de um século depois, a política brasileira continua a se desenvolver nas trevas, em conluios escusos, em conchavos abafados por quatro paredes, em acordos nas furnas.
Essa falta de luz, de transparência, de clareza atinge a política brasileira de inúmeras formas. Desde o processo legislativo - quando as Casas deixam de discutir as propostas em comissões e passam a discutir nos subterrâneos - até as manobras do executivo - quando emendas são magicamente distribuídas às vésperas de importantes votações, direcionando os votos no escuro.
A transparência deve ser a regra, não a exceção. O Brasil não pode continuar sem ver como um de seus maiores patrimônios está utilizando recursos bilionários
Mas a transparência é um pressuposto da democracia, já que uma das premissas básicas do Estado Democrático de Direito é o controle do poder pelo povo. E para que esse controle seja possível é preciso, antes de mais nada, que se consiga acompanhar os atos de gestão. Afinal, como fiscalizar o que não se pode enxergar?
Diante das notícias de que Itaipu, empresa pública binacional, está destinando parte de seus recursos para patrocinar eventos fora de sua atividade fim, apareceu a questão: quem, afinal, controla Itaipu? Pois, creia, a fiscalização sobre esta que é uma das maiores hidrelétricas do mundo ainda é limitada, o que abre margem para desvios de finalidade e falta de alinhamento com sua missão principal: a geração de energia limpa e eficiente.
Apuramos, por meio de estudo solicitado à Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, que, desde 2019, quando os desembolsos da Itaipu passaram a ser divulgados, mais de R$ 7,5 bilhões foram gastos em convênios e patrocínios, sendo R$ 4,8 bilhões apenas nestes dois anos do Governo Lula. Os recursos foram destinados a iniciativas como infraestrutura urbana para a COP-30 (R$1,84 bilhão), eventos do G20 (R$27 milhões) e até para o chamado "Janja Palooza" - evento amadrinhado pela Primeira-Dama (R$15 milhões). Esses investimentos nada têm a ver com o propósito de Itaipu, o que levanta sérias preocupações sobre a gestão dos recursos da hidrelétrica.
A ausência de um mecanismo de fiscalização adequado permite que tais gastos sejam feitos sem o devido escrutínio. Atualmente, a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre Itaipu depende de um acordo internacional, e o Governo brasileiro não está demonstrando nenhum empenho para que seja concretizado. Isso significa que, enquanto esse acordo não for ratificado, os brasileiros seguem sem garantias sobre como os recursos estão sendo aplicados.
Diante desse cenário, é necessário corrigir a legislação para fortalecer os mecanismos de transparência e de fiscalização de empresas públicas. A primeira alteração necessária é a do artigo 71 da Constituição Federal para garantir que o TCU tenha competência direta para auditar os recursos brasileiros aplicados em Itaipu, sem necessidade de acordos bilaterais que podem levar anos para serem aprovados. Além disso, também são necessários projetos de lei que ajudem a melhorar a governança e a transparência da empresa, garantindo que suas ações sejam rastreáveis.
A fiscalização não é um ataque à Itaipu. Pelo contrário, é um passo necessário para garantir que a empresa seja um modelo de sucesso, sem ser usada como uma fonte de caixa paralelo para investimentos que não beneficiam o setor elétrico e a população brasileira.
A transparência deve ser a regra, não a exceção. O Brasil não pode continuar sem ver como um de seus maiores patrimônios está utilizando recursos bilionários. Se queremos energia mais barata, investimentos eficientes e o respeito ao dinheiro dos brasileiros, precisamos garantir rastreabilidade e controle efetivo sobre cada real gasto por Itaipu.
Como disse Ruy Barbosa, no mesmo discurso: “Subterrada na obscuridade, a política não gera senão bafios, minhocas, escorpiões e lesmas”. E, também por isso, o Brasil não pode continuar no escuro.
Adriana Ventura é professora de gestão e empreendedorismo na FGV-EAESP e deputada federal.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



