Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Artigo

A impunidade nos atos de corrupção contra a administração pública

A cada centavo desviado de fundos previdenciários, de saúde ou educação, aumenta-se a distância entre o que o Estado promete e o que ele entrega, transformando a corrupção em uma das principais barreiras à construção de uma sociedade mais justa e equitativa (Foto: Imagem criada utilizando Gemini/Gazeta do Povo)

Ouça este conteúdo

No último mês, fomos surpreendidos por algumas notícias veiculadas pela imprensa independente no Brasil. Como amplamente divulgado, ministros do Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, vêm anulando acordos feitos por empresas de grande porte e seus executivos envolvidos em casos de corrupção. Do mesmo modo, juízes de primeiro e segundo graus também têm tomado decisões no mesmo sentido em todo o país.

Como qualquer indivíduo deve estar se perguntando: afinal, esses graves crimes de corrupção ocorreram? Foram comprovados? O devido processo legal não foi oferecido ao longo de todos esses anos aos réus, pessoas físicas e jurídicas?

Livrar pessoas e empresas acusadas da prática de diversos delitos contra a administração pública – réus confessos, que inclusive já devolveram vultosas quantias ao tesouro público após condenações severas – causa indignação

Em outro caso, um conhecido executivo condenado a penas elevadíssimas, e que após anos de cárcere devolveu voluntariamente milhões de reais aos cofres públicos, também obteve o mesmo benefício.

É curioso como o Poder Judiciário, ao longo dos últimos anos, tem oscilado entre o incentivo às medidas de combate à corrupção na administração pública e ao combate à criminalidade em geral (como no caso da Lava Jato) e, posteriormente, passou a privilegiar aspectos meramente processuais, sem o devido cuidado com o patrimônio público e sua defesa. A mudança radical de uma visão punitivista, que busca justiça e preserva o patrimônio público dilapidado por organizações criminosas e seus agentes, para uma visão pseudo-garantista e voluntarista é surpreendente.

Será que os promotores de Justiça que atuaram nesses processos utilizaram provas ilícitas ou ilegítimas? As provas foram produzidas com vícios insanáveis? Por que, então, experientes advogados de empresas com atuação nacional e internacional firmaram acordos milionários de leniência para beneficiar seus clientes acusados de corrupção? O alegado dano ao patrimônio público desapareceu ao longo do processo? Essas são questões não respondidas até agora à sociedade brasileira.

Aparentemente, os magistrados que decidiram os casos acima relatados não observaram o artigo 20 da Lei 13.655/2008 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). As inovações introduzidas por essa legislação destinam-se a reduzir práticas que resultam em insegurança jurídica no desenvolvimento da atividade estatal, inclusive a atividade judicial.

VEJA TAMBÉM:

O artigo 20 relaciona-se a um dos aspectos centrais do problema: decisões proferidas por agentes estatais, inclusive magistrados, baseadas em princípios e valores de grande abstração. Existe o risco de que a autoridade emita uma decisão fundada em um valor negativo, altamente reprovável, não tutelado pelo Direito e merecedor de repulsa integral. O dispositivo exige que a autoridade considere a relevância política, social e econômica das decisões que adota.

A decisão deve levar em conta os efeitos causados pelas diversas alternativas possíveis, sendo obrigatório escolher aquela que acarrete as restrições menos intensas aos interesses e valores envolvidos. Como sabemos, o ilícito penal atenta contra os bens mais valiosos da vida social. Por serem bens eminentemente públicos, o direito de punir os infratores pertence à sociedade.

É notório que a prática de infrações penais relacionadas à corrupção transtorna a ordem pública, e a sociedade é a principal vítima. Por isso, tem o direito de prevenir e reprimir atos lesivos à sua existência e à sua conservação. Livrar pessoas e empresas acusadas da prática de diversos delitos contra a administração pública – réus confessos, que inclusive já devolveram vultosas quantias ao tesouro público após condenações severas – causa indignação na população, que majoritariamente conhece o Direito e respeita as obrigações estabelecidas nas esferas civil, penal, empresarial e política. A sociedade civil merece uma explicação.

Marcelo Figueiredo, advogado, é consultor jurídico e professor associado de Direito Constitucional da PUC-SP.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.