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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Iniciaremos com uma história fictícia, com a permissão do estimado leitor. No hospital Dr. Mangabeira, na bela cidade de Bernadópolis, era rotina os pacientes serem assaltados no translado em direção a parada de ônibus. Entre uma ocorrência e outra, algumas eram notificadas à direção do órgão público, que temeroso pela comunidade de cidadãos por ela atendida, oficiou a Polícia Militar por diversas vezes.

A polícia, com seus problemas de orçamento e de demandas bem acima de suas capacidades, não deu a atenção devida aquela informação fornecida pelo hospital, e continuava a fazer as suas rondas de forma aleatória, enquanto não eram chamados a atender aos chamados emergenciais reportados pelo sistema de comunicação.

Em um dia fatídico, uma jovem saia do hospital apreensiva para dizer ao marido pelo telefone móvel que seus exames haviam indicado problemas, e ao ser abordada por um meliante, ela reage instintivamente, e o assalto se transforma em latrocínio. Do crime surgem jornais, manchetes e a grande comoção nacional pelo assassinato de uma mãe que deixava dois filhos pequenos.

Vive-se de medidas para atender ao clamor popular

A partir do dia do crime, na saída do hospital, postava-se, atenta e vigilante, noite e dia, uma viatura da Polícia Militar, com a sirene ligada e garantindo aos pacientes e aos funcionários a segurança devida na entrada e na saída. Passou uma semana, duas, e a viatura passou a ficar somente no horário comercial, e um mês depois, não tinha mais viatura, e as ocorrências voltaram, levando a direção a redigir novos ofícios solicitando a atuação do poder público no que tange a segurança.

Essa narrativa se encaixa em diversos fatos que vemos no cotidiano nacional. Se adequa também a incêndios, desabamentos, doenças e toda sorte de eventos nos quais cabem medidas preventivas sistemáticas para dar conta dos riscos e que, por questões intrínsecas a nossa cultura, continuamos a reagir com improviso, amadorismo e com ausência de racionalidade.

Nessas horas, o adágio popular que diz: “Depois da casa arrombada, cadeado à porta”, se ajusta perfeitamente. Mas em muitos casos, esse cadeado fica na porta da casa por apenas um certo tempo e, acalmada a tormenta, tudo volta a ser como era antes. Uma postura reativa-displicente que nos custa, como grupo social, um preço caro, representado por vidas, bens e até o futuro, pois quando aplicada às políticas públicas, essa visão pode afetar gerações.

Leia também: O mundo onde nem o futuro tem vez? (artigo de Egon Bockmann Moreira, publicado em 17 de maio de 2018)

Leia também: O desarmamento e suas vítimas (artigo de Salesio Nuhs, publicado em 14 de junho de 2018)

Trazendo agora uma visão mais técnica dessa discussão, uma das dificuldades da implementação da gestão de riscos no Brasil, em especial no setor público, é essa falta de sistematização, essa ação reativa e improvisada, na qual trocamos métricas e ações sistemáticas por heroísmos e sorte. Sem medir, como gerenciar? Sem consolidar as informações, como avaliar como agir? Sem valorar as possibilidades que afetem nossos objetivos, como protegê-los?

E assim as políticas públicas, em especial aquelas de caráter regulatório, que visem a aferir a conformidade de um grupo em relação a uma norma, seguem a espera de ser provocadas, por denúncias ou escândalos, e quando o são, não aproveitam essa informação de maneira sistêmica para aprimorar a atuação do sistema como um todo.

Vive-se assim de medidas para atender ao clamor popular, e pouco se fala sobre indicadores, respostas aos riscos, monitoramento e uso estratégico das informações, como meios de transformar a incerteza em risco, e tratando este, diminuir as possibilidades das ocorrências, e por fim, aprendendo com estas quando se materializam, agindo de forma sistemática, focado em medidas consistentes e relevantes.

Essas chagas em nossa sociedade afetam a gestão de riscos: de carência de coordenação diante das incertezas, de pouca realimentação dos sistemas, de improviso como solução prioritária, são as maiores fragilidades da governança de nossas políticas públicas, e isso traz custo para a gestão dessas políticas, mas sem reverter com a eficiência necessária, sendo essa pauta do preventivo que ainda não alcançamos um tanto incômoda, mas que é sempre bom vir à tona, em especial nos dias em que se chora pelo leite derramado.

Marcus Vinicius de Azevedo Braga é doutorando em Políticas Públicas e autor de livros na área de controle governamental.
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