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A mídia internacional e nacional se agita com os fatos atinentes à delação premiada conferida pela Justiça yankee em favor do meliante brasileiro José Maria Marin, ex-CBF e sucessor da não menos famigerada dupla sogro-genro que se abasteceu por décadas do cofre confederativo mais abastado do esporte brasileiro.

Marin, para a sessão de delação premiada com os doutos juízes e o FBI, deixou seus principescos aposentos no Waldorf Astoria impecavelmente trajado: calças de veludo milanês, camisa de linho egípcio, pulôver azul celeste de cashmere nepalense, meias e lustrosos sapatos Scatamacchia. Concordou em pagar modestos US$ 14 milhões pela sua liberdade. Guardará repouso – senil como ora está – em semiprisão domiciliar, mas podendo ausentar-se para consultas médicas, compras domésticas e alguma sessão aquecedora no sol no Central Park. A tornozeleira eletrônica, discretíssima, está confeccionada no mais fino couro de cabritilla argentina e suas presilhas alquimicamente transmutadas em ouro 24 quilates.

Por aqui, um par ou quarteto de “marechais da lei” trata – compreensível e humanitariamente – de mitigar os desconfortos prisionais dos meliantes-maiores da Petrobras, de macroempresas prestadores de desserviços, lobistas e parlamentares de bolsos largos e fundos, e já começa a atrapalhar as ações e sentenças do impávido “xerife de campo” Sergio Moro. Alguns bobalhões locais, mal assalariados, se esforçam em desqualificar o paladino paranaense da Justiça por causa de seu salário como juiz federal por ultrapassar, por um fator de 2, o teto dos doutos integrantes do STF, esquecendo-se de que os benefícios adicionais que ele recebe, como auxílio-moradia, estão amparados em lei, produzida por outrem. A falha, na verdade, é da Caixa Econômica Federal, que deveria reter 10% de cada Mega-Sena e inflar a remuneração de cada juiz, promotor e agente da Polícia Federal que ajude a colocar atrás das grades cada político corrupto (sempre ativos e autodenunciados pela verve de Bertolt Brecht em O analfabeto político).

Alguns bobalhões locais, mal assalariados, se esforçam em desqualificar o paladino paranaense da Justiça

Todo o aparato policial e judiciário yankee, já antes da Lei Seca, tratou inutilmente de fechar o cerco sobre Al Capone e sua quadrilha. Foi a malha fina da Receita que finalmente conseguiu o feito através da alegada, óbvia (mas até então inexplorado) sonegação fiscal. Capone enriquecera muito rápida e ostensivamente, esquecendo-se de compartir sua fortuna suja com o caixa limpo do Income Tax. Aqui, o mentor maior do atual tsunami de corrupção, do mensalão ao petrolão (faltante ainda o “BNDEStão”), segue, ainda, impune. Talvez possa alegar modéstia de posses pessoais, mas sem inveja de seus herdeiros súbita e suspeitosamente autoconvertidos em milionários. Abandonará o ínclito Joaquim Barbosa a entediante aposentadoria para assumir a Diretoria-Geral da Receita Federal e implementar uma estratégia agressiva de confisco de bens ilicitamente acumulados?

O ex-presidente petista até produzia alguns gracejos engraçados (a atual nem tanto, pois falta-lhe o brilho da inocente ignorância cultural). Um deles, a ele atribuído, era de que o Congresso Nacional tinha pelo menos “300 picaretas” . Hoje ele adendaria que há mais duas retroescavadeiras “tamanho Vale do Rio Doce Minerações” presidindo os colendos conciliábulos de politiqueiros em causa própria das duas casas. Só um movimento popular forte nas ruas e na mídia, atirando brioches nos parlamentares federais, estaduais e municipais, preferencialmente à guilhotinagem mesmo que de um único pescoço (afinal, falta-nos aquele elegância nata que se praticava em França), pode induzir este deplorável congresso nacional (em minúsculas, mesmo!), em regime de urgência, a formular e aprovar a sanitarização deste país, enterrando, mesmo com prejuízo próprio, a prática desbragada da corrupção com o dinheiro público e, junto com ela, seus mais refinados praticantes.

José Domingos Fontana é professor aposentado da UFPR e UTFPR.
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