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O mundo, atônito, recebeu a notícia da renúncia de Bento XVI. A decisão, incomum nas plataformas de poder, reflete coragem moral e humildade. O papa deixa uma marca de coerência e de extraordinário vigor intelectual. Num mundo algemado pelos grilhões do ceticismo, o pensamento do papa é uma forte estocada e uma provocação. De santo Agostinho a Lutero, Kant, Bacon e Engels, homens da Igreja, santos e filósofos, ortodoxos e heterodoxos, desfilam nos textos do papa como protagonistas da nostalgia de Deus do ser humano.

Bento XVI desnuda a inconsistência das esperanças materialistas e faz uma crítica serena, mas profunda, à utopia marxista. Segundo o papa, Marx mostrou com exatidão como realizar a derrubada das estruturas. "Mas não nos disse como as coisas deveriam proceder depois. Ele supunha simplesmente que, com a expropriação da classe dominante, a queda do poder político e a socialização dos meios de produção, ter-se-ia realizado a Nova Jerusalém." Marx "esqueceu que o homem permanece sempre homem. Esqueceu o homem e sua liberdade. Esqueceu que a liberdade permanece sempre liberdade, inclusive para o mal. (...) O seu verdadeiro erro é o materialismo: de fato, o homem não é só o produto de condições econômicas nem se pode curá-lo apenas do exterior. (...) Não é a ciência que redime o homem. O homem é redimido pelo amor".

O cerne do pensamento do papa é a antítese do surrado discurso dos teólogos da libertação que, com teimosa monotonia, apostam no advento da utópica Jerusalém terrena. As injustiças, frequentemente escandalosas e brutais, devem ser enfrentadas e superadas, mas não há o paraíso neste mundo. E o papel da Igreja, não obstante seu compromisso preferencial com os pobres e desvalidos, é essencialmente espiritual. Bento XVI não contorna os temas difíceis ou politicamente corretos. Na contramão de certo ativismo eclesiástico, aponta a oração como "primeiro e essencial lugar" da esperança. "Quando já ninguém me escuta, Deus ainda me ouve."

A mensagem de Bento XVI, direta e sem concessões, tem repercutido com força surpreendente. Seu desempenho, sobretudo no meio jovem, é uma charada que desafia o pretenso feeling de certos estudiosos do comportamento. Afinal, o estereótipo do papa conservador, obstinadamente apegado aos valores que estariam em rota de colisão com a modernidade, foi sendo contestado pela força dos fatos e pela eloquência dos números. Crescentes multidões multicoloridas, usando tênis e mochilas, transformaram este avô da cristandade num indiscutível fenômeno de massas.

A incrível sintonia entre os papas e a juventude oculta inúmeros recados. Num mundo dominado pela cultura do ter, pelo expurgo do sofrimento e pela fuga da dor, Bento XVI caminhou aparentemente no contrafluxo. "Não é o evitar o sofrimento, a fuga diante da dor, que cura o homem, mas a capacidade de aceitar a tribulação e nela amadurecer, de encontrar o seu sentido através da união com Cristo, que sofreu com infinito amor". (...) "Uma sociedade que não consegue aceitar os que sofrem e não é capaz de contribuir, mediante a compaixão, para fazer com que o sofrimento seja compartilhado e assumido é uma sociedade cruel e desumana", afirma Bento XVI.

Os jovens decodificam com mais facilidade os recados do papa. Eles o esperavam na Jornada Mundial da Juventude, encontro do papa com os jovens, em julho, no Rio de Janeiro. O próximo papa, certamente, estará presente. E Bento XVI, embora fisicamente ausente, o acompanhará com seu carinho e com a força da sua oração.

Carlos Alberto Di Franco, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais (Iics).

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