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Recentemente, o jornal Folha de S.Paulo publicou o editorial “Sangria previdenciária”, chamando a atenção para alguns dos problemas da Previdência Social. É sempre bom ver a mídia opinando sobre a previdência, tema geralmente árido com informações divergentes que retratam opiniões nem sempre objeto de reflexões e de conhecimentos sobre o assunto.

São poucas as pessoas que conhecem a previdência no nosso país, seja no Executivo, no Legislativo, no Judiciário, nas universidades, na mídia, nos sindicatos de patrões e empregados, e vou mais longe: até mesmo no Ministério da Previdência e no INSS. Já tivemos no passado os pensadores da previdência, os chamados “cardeais”, uma geração que se foi. Temos ainda no MPS e no INSS especialistas que se somam a outros, especialmente do Ipea, da FGV e da Coordenadoria Legislativa da Câmara dos Deputados.

É recorrente a preocupação com o déficit do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), estimado em R$ 40 bilhões (7,36% do PIB) para 2014, em R$ 51,1 bilhões (7,52% do PIB) para 2015, e em R$ 87.415 bilhões (7,89% do PIB) para 2020. Credita-se aos rurais esse déficit. Em parte é verdade, pois sua contribuição não chega a 10% da despesa, e isso desde 1971, há 44 anos. O Funrural já surgiu deficitário. Por longo tempo foi financiado pelos urbanos e, nos últimos 27 anos, pela Seguridade Social.

No caso do Regime Próprio da União, o Ministério do Planejamento oferece amplos detalhes sobre as despesas de ativos e inativos, mas nem sequer um único dado ou número sobre a receita de contribuição

A matriz do déficit é o resultado da arrecadação líquida menos o valor pago aos beneficiários do RGPS, Neste caso, há déficit que soa como caos nas contas e sinaliza um futuro crítico para a previdência. Mas as contas do INSS fecham no azul, graças às transferências do Tesouro, através da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e pela Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Neste caso, o déficit some.

O x do problema está no financiamento do RGPS, cuja arrecadação bruta previdenciária carrega uma sonegação aberta de 30% da receita, a não cobrança da dívida ativa de R$ 300 bilhões, as perdas de prazo nas inscrições na dívida, a não cobrança da dívida administrativa, a não fiscalização, a evasão, a elisão, as brechas legais, as renúncias, as desonerações, os Refis sobre os Refis (já são dez), a baixíssima recuperação de créditos administrativos e judiciais etc.

No caso do Regime Próprio da União, que não passa pela Previdência e tem a gestão no Planejamento, e que envolve a previdência de 532,8 mil aposentados e 402,1 mil instituidores de pensão civis e 145,6 mil aposentados e 148,6 mil instituidores de pensão militares, o Planejamento oferece amplos detalhes sobre as despesas de ativos e inativos, mas nem sequer um único dado ou número sobre a receita de contribuição.

Um viés distorcido é comparar a despesa dos 31 milhões de aposentados e pensionistas do RGPS com o dos 934 mil civis e 294 mil militares. A contribuição do RGPS tem um teto de R$ 4 mil. A dos civis não tem teto e é paga sobre o que recebem. Quase 70% dos aposentados pelo RGPS recebem um salário mínimo e cerca de 45% dos servidores ganham até o teto do RGPS.

É preciso que o Planejamento abra a caixa preta da receita. Em várias oportunidades, o Tribunal de Contas da União (TCU) denunciou que o governo não pagava sua parte e descontava e não recolhia a contribuição dos servidores. Com o Regime Único, o governo absorveu cerca de 600 mil celetistas que contribuíam para o INSS; o governo não pagava sua parte e não recolhia o que foi descontado dos servidores sem teto. Esta receita sumiu na buraqueira da contabilidade pública. Há ainda a grave questão de que a União nunca pagou e não paga sua parte na previdência dos militares, que não contribuem para sua reforma, mas tão somente com 6% para saúde. Os inativos civis contribuem ainda para a Previdência, como se fosse possível conseguir um novo beneficio, o que constitui uma fraude aos fundamentos universais da previdência – contribuição tem de ter contrapartida. O TCU tem questionado essas falhas, que acabam impactando a receita de contribuição (que não se conhece). Só se conhece a despesa, que serve de vergonha para os servidores. No caso dos Regimes Próprios dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, o descontrole na Previdência Social é altíssimo e preocupante; o futuro é sombrio. Com o desmanche da Lei de Responsabilidade Fiscal, pode se acentuar.

São justas as preocupações da mídia em relação ao inexorável envelhecimento da população. O mundo inteiro está preocupado com a questão. O bônus demográfico – que, no nosso caso, nos é favorável neste momento – tende a culminar no aumento da população idosa e na redução da população ativa e contributiva. Esta é uma oportunidade para fazermos as reformas que devem ser feitas.

Há dois séculos se acentua a crença de que os aposentados devem receber 70% do que receberiam quando em atividade. O tema fatalmente entrará numa agenda de visão do amanhã. Mas ninguém fala, no Brasil, dos “cinco novos Funrurais” criados nos últimos 12 anos, com benefícios subsidiados e incentivados, que explodirão lá na frente. Salário-maternidade, auxílio-reclusão, agora fala-se nas pensões precoces e no auxílio-doença etc. A conta será paga pelos nossos filhos e netos, que tendem a cair num RGPS chinês, pois receberão um salário mínimo. Para isso não se precisa de Previdência. Deve ser assinalado, inclusive, que não se paga previdência para receber um salário mínimo, o mesmo que recebem os 4 milhões de beneficiários da Loas que nada pagaram.

A mídia prestaria um grande serviço ao país se prosseguir alertando para as ameaças que rondam a previdência por incúria, má gestão, incompetência e descompromisso com as gerações futuras.

Paulo César Regis de Souza é vice-presidente-executivo da Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social (Anasps).
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