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Desconfio que o gênio publicitário que inventou de chamar a velhice de "melhor idade" deve ter uns 20 e poucos anos. Melhor para quem, cara-pálida? Minha vingança é que um dia ele chegará lá e, então, descobrirá as delícias que o esperam, a respeito das quais alguns de meus amigos produziram máximas inesquecíveis.

De acordo com Flávio Prestes, depois dos 60, você perde todas as outras referências e passa a ser considerado pura e simplesmente um "sexagenário", "septuagenário" ou "octogenário". O sujeito pode ser um gênio, ter descoberto a Pedra Filosofal e o Moto Contínuo, mas, se tiver a infelicidade de ser atropelado, merecerá uma manchete na Tribuna: "Coletivo atropela septuagenário". Outros amigos mais distantes, como Mark Twain, sugerem que nessa quadra da vida é necessário decidir sobre o destino final. Ele, pessoalmente, dizia estar em dúvida: ir para o céu por causa do clima ou para o inferno pelas companhias.

Pois é, cheguei aos 70, cantarolando baixinho a música de Willie Nelson Me and Paul: "tem sido uma viagem dura e cheia de tropeços, mas finalmente estou firme e de pé. E, depois de ter recebido muitas lições, fico surpreso em descobrir que a minha cabeça ainda está funcionando direitinho...". Não é muito, mas é mais que o suficiente para o marido da Dona Elizabeth, neto da sábia bahiana Dona Góia e do Doutor Valverde; filho da Dona Glorinha e do General Castor, irmão do Zezé, do Zito, da Quinha e da Maria Cristina; pai orgulhoso da Adriana e da Carolina e avô do Leonardo e da Anna Clara. Chego àquilo que os jornalistas de antanho (êta palavra antiquada!) chamariam de "idade provecta" (outra palavra antiquada), cercado do carinho das pessoas a quem mais amo e admiro. E que, no que toca aos eventuais e cada vez mais raros desafetos, continuo pensando como Oscar Wilde: não podemos ser muito exigentes na escolha de nossos inimigos.

É claro que há pessoas que passam a barreira dos 70, dos 80 e dos 90 de maneira brilhante como fizeram alguns dos membros do meu reduzido panteão de heróis: Acir Rachid, Jayme e Lourdes Canet, Italo e Odete Conti, João José e Iris Bigarella e alguns poucos outros, cujos nomes corro o risco de esquecer ou de errar, pois o tempo me premiou com duas doenças: a primeira é a falta de memória; e a segunda, não me lembro mais qual seja. Sempre dizia a eles que, se eu chegasse aos 70 como eles chegaram aos 80 e 90, já seria uma grande façanha. Devo confessar que os 70 anos me trouxeram a tolerância com muitas coisas antes inaceitáveis, mas ao mesmo tempo enraizaram algumas idiossincrasias e antipatias pétreas. Procuro, nesta quadra da vida, realizar metaforicamente, como dizia meu inesquecível professor Guerreiro Ramos, o processo de redução metalúrgico: extrair dos metais todas as impurezas e ficar apenas com o essencial. E, assim, a cada dia desenvolvo maior horror à mistificação e à hipocrisia, à arrogância vazia, ao pedantismo e ao orgulho tolo.

No dia de meu aniversário, entre muitos presentes, recebi de dois queridos amigos, os irmãos maristas Joaquim e Benê, um muito especial: a lembrança do salmo que, em sua elegância despojada, afirma que "os dias da nossa vida chegam a 70 anos, e nos mais robustos a 80 anos, e o que passa destes é canseira e vaidade (...)". E suplica ao Pai que "manifeste a sua obra aos seus servos, e a sua glória sobre seus filhos". Obrigado, Senhor, pela vida que até aqui me destes.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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