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Loja fechada no Aeroporto de Guarulhos: CNC estima para março uma queda de 46,1% no faturamento do comércio desde a introdução de medidas restritivas de circulação.
| Foto: Ricardo Stuckert/Fotos Públicas

O conceito de “correr o risco de morrer” é bem amplo em todas as frentes. “Não há ou não deveria haver prazeres que valham um risco de vida ou, simplesmente, que valham o risco de encurtar a vida”, escreveu Contardo Calligaris em 2012. Ele não se aplica apenas aos casos do novo coronavírus, mas também a outras doenças e violências domésticas ou sociais. Há um grupo de risco, muito maior, no Brasil e em todo o mundo, que, mesmo escapando da Covid-19, enfrenta um outro grande vilão, com poderes muito devastadores: estamos todos no mesmo barco, os doentes e os saudáveis, contra a lentidão do Estado, a ganância dos bancos e a demora na resolução dos problemas pelos burocratas.

Que nesta crise de saúde vamos ter consequências econômicas brutais, ninguém duvida. “Não temos precedentes para isso na história das crises recentes. Não temos como comparar isso que está acontecendo com o cenário, por exemplo, de 2008. São crises de natureza muito diferentes. Em 2008, foi uma crise de natureza financeira. Uma crise causada por uma epidemia, ou seja, quando você junta uma crise econômica com uma crise de saúde, é algo inédito”, afirma a economista Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics. O problema é a escala e também a sua imprevisibilidade de duração no tempo. Vários estudiosos e economistas, os mais renomados do mundo, incluindo prêmios Nobel, traçam cenários muito feios, dependendo dessa duração e do número de mortes e de paralisações. Neste sentido, não adianta tentar prever o futuro, quando não temos a resposta certa e definitiva.

Mas é urgente começar a responder às necessidades imediatas de todo o povo, na saúde e na economia. Como em um período de guerra... uma Terceira Guerra Mundial, não uns humanos contra outros, mas, de fato, uma guerra contra um vírus sem cura (ainda) e uma miséria proeminente agravada em todo o mundo.

Se a OMS e os governos, à exceção de um ou outro menos racional, determinam que as pessoas permaneçam em casa, sem trabalhar, e às empresas que deixem de produzir, como viveremos? Isolados, sem trabalho e sem comida? Voltamos ao tempo das cavernas, quando só saímos para caçar quando temos fome? É lógico e óbvio que, se uns não compram outros não vendem... se não vendem, não podem pagar salários aos outros que não estão trabalhando... enfim, a economia necessita da circulação da moeda e as pessoas necessitam satisfazer as suas necessidades ilimitadas, ou, no mínimo, neste momento de crise mundial, pelo menos as suas necessidades básicas. Lembrando que os recursos são limitados, princípio econômico da escassez e que, neste momento, se agrava pela parada abrupta de todo o mundo. Somente setores essenciais não podem parar; imaginem, além de tudo, ficar o mundo sem alimentos, transportes, remédios, médicos, energia elétrica, gás natural, água potável...

E então, podemos contar com a agilidade do Estado? A primeira resposta do governo português a esta pandemia, na frente econômica (ainda antes de ser decretado o estado de emergência), foi prescrever uma espécie de paracetamol, afirma o colega português Anselmo Crespo, cujo texto me inspirou para uma adaptação ao nosso querido Brasil. Uma linha de crédito e algumas postergações de pagamentos de impostos que ainda nem sequer saíram das promessas e discursos fazem-nos pensar que esta pandemia não passava de uma gripezinha sem gravidade e sem complicações para a economia. Com a pandemia de coronavírus se espalhando, os Estados Unidos e grandes economias da Europa estão tomando medidas emergenciais para tentar salvar a economia, sabendo que a crise em uma guerra é inevitável. “Acho que o crucial é que os governos não deixem empresas em insolvência falirem e demitirem trabalhadores”, disse Vicky Redwood, analista sênior da consultoria britânica Capital Economics. “Os programas de garantia de empréstimos são um bom começo, mas os governos devem garantir que todas as empresas possam acessar ajuda financeira”, disse ele à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC. Estamos entrando em abril de 2020, um mês de vírus e até agora, de concreto, nada aconteceu. Até quando aguentamos esperar?

Calma. Os bancos estão aqui para ajudar a economia.O Brasil determina, por meio do Ministério da Saúde, uma limitação de direitos: de circulação, de iniciativa econômica privada, dos direitos dos trabalhadores, da liberdade de reunião, manifestação e de culto etc. Só não previu o direito de o Estado se impor aos bancos numa situação de estado de emergência. Aliás, os bancos estão fazendo propagandas no mínimo duvidosas em cima do coronavírus, como sendo os salvadores da pátria... mas, quando procuramos essa salvação, como postergação de dívidas e pagamentos de empréstimos, nos deparamos com uma armadilha: mais juros e menos dinheiro. Porque, na verdade, os bancos continuam a ser uma espécie de Estado dentro do Estado, que apenas respondem a eles mesmos, exceto quando precisam ser salvos pelos contribuintes brasileiros.

O lucro dos maiores bancos do Brasil cresceu 18% em 2019 e somou R$ 81,5 bilhões, segundo a provedora de informações financeiras Economática. O maior lucro entre os grandes bancos em 2019 foi o do Itaú, que registrou ganhos de R$ 26,583 bilhões. O Bradesco registrou um lucro líquido de R$ 22,6 bilhões no ano passado, uma alta de 18,32% na comparação com 2018 (R$ 19,085 bilhões). O Banco do Brasil reportou lucro líquido contábil de R$ 18,16 bilhões em 2019, aumento de 41,2% na comparação com 2018, quando a instituição lucrou R$ 12,86 bilhões. Já o Santander teve lucro de R$ 14,181 bilhões em 2019, alta de 16,6% frente ao ano anterior.

Em situação de emergência nacional os bancos dizem que vão ajudar, desde que o Estado dê garantias públicas e que as empresas atestem que não estão em dificuldades. Por que haveriam de estar? E assim passou mais um mês, parado. Até quando aguentamos?

Calma. Os burocratas estão aí para nos salvar.Vamos fazer mais algumas leis em um país que já tem milhões delas, mas onde, infelizmente, em muitos casos, reina a impunidade. Lei não garante o sustento das famílias e muito menos a quebradeira das empresas. Com a lei tem de vir a ação, o dinheiro.

Devagar, devagarinho, como na música (aliás, muito devagarinho), começa mais uma reunião para discutir a crise mundial de 2008, e como adaptá-la a 2020. Mas sem pressa, que não há motivos para alarme. O Banco Central do Brasil, que promete fazer tudo o que for preciso, ainda não executou as ações que colocou no papel e na mídia. Estará, provavelmente, à espera de saber o que vai fazer a Reserva Federal Americana, o Banco da China e talvez ainda aguarde para ver o que vão fazer o Japão e a Europa. Até quando aguentamos?

Calma. Os servidores públicos vão bancar a economia.Servidores públicos tomaram R$ 42,1 bilhões de crédito pessoal consignado só nos primeiros quatro meses do ano, segundo dados do Banco Central (BC). O valor concedido de janeiro a abril é 39,7% mais alto que o do mesmo período de 2018. No mês passado, o aumento foi de 11,1% na mesma base de comparação. O saldo de crédito consignado para servidores públicos em abril somava R$ 198,5 bilhões. Não me cabe aqui a análise do porquê, mas sim o que é hoje.

Será o servidor público comum obrigado a bancar essa nova onda de populismo salvador da pátria, enquanto “eleitores questionam os altos salários de parlamentares e as verbas públicas que custeiam os fundos eleitoral e partidário”, como diz reportagem da Gazeta do Povo?

Não entre em pânico, mas prepare-se para a guerra.A economia tem de começar a ser salva já e não depois da pandemia, sob pena de a cura chegar depois da morte. E a resposta, na frente econômica, não pode ser apenas mitigante, tem de ser robusta e deve maximizar. Tem mesmo de ser corajosa, rápida e sem meias medidas. A crise de 2008, sendo muito diferente da que se apresenta hoje, deixou várias lições que, se não tiverem sido aprendidas, podem ferir de morte o mundo. Desta vez, não há bons e maus alunos, nem países que só querem sol, cerveja e futebol. Não podem ser os mercados ou bancos a governar os Estados, têm de ser os políticos; aqueles que nós elegemos, confiando que seriam os responsáveis pelo crescimento e desenvolvimento do país. Caso contrário, as consequências, que já vão ser grandes, podem ser desastrosas.

“Mas, se os países caírem em recriminações e abordagens egoístas, corremos o risco de fragmentar ainda mais a economia mundial, o que pode persistir muito além da crise”, diz Maurice Obstfeld, professor de Economia da Universidade de Berkeley. Acredito que agora não é hora de mesquinhez e estupidez, não é hora de radicalismo partidário e de oportunismos políticos, é hora de lucidez e ação.

Luiz César de Oliveira é economista e professor da UTFPR (câmpus Cornélio Procópio).

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