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| Foto: Nasa/Divulgação

O novo filme de ficção científica de Hollywood, O Primeiro Homem, traz Ryan Gosling na pele de Neil Armstrong travando uma batalha intensa entre as prioridades terrenas e as sublimes possibilidades da missão Apollo, muito semelhante à do próprio país. Naturalmente, a cena mais gloriosa é a da aterrissagem na Lua – o momento em que ele dá o último pulo, hesitante, e vemos a pegada de sua bota impressa no solo lunar antes de admirarmos a Terra suspensa na vasta escuridão do espaço.

Da forma majestosa como o cinema recria a façanha, quadro a quadro, a sensação de nostalgia é quase inevitável, mesmo para quem ainda nem tinha nascido na época. Temos a tendência de considerar esse momento, esse período, aliás, como o auge do sucesso, não só da Nasa, mas da humanidade. Foi uma época em que fizemos coisas ótimas. Quando assumíamos riscos. Quando os Estados Unidos estavam na melhor fase, e mais arrojada. Só que isso não é de todo verdade.

O romance associado ao programa Apollo, e à missão Apollo 11 em particular, é inegável. Durante uma noite, em julho de 1969, todo mundo parou para ver um ser humano deixar o confinamento de uma nave para pôr os pés em um mundo alienígena, ainda que não muito distante. Os cozinheiros desligaram o fogão e ligaram o rádio, famílias e amigos se reuniram em frente aos televisores, e o som da voz de Armstrong, solta no ar, dançou pelos corredores dos prédios ao redor do mundo.

Para alguns, voltar à Lua ou colocar o ser humano em Marte são as únicas opções para superar esse ponto alto; porém, o sucesso do programa espacial envolve muito mais do que apenas marcar o solo extraterrestre com pegadas de nossas botas.

O sucesso do programa espacial envolve muito mais do que apenas marcar o solo extraterrestre com pegadas de nossas botas

Desde que o último astronauta deixou o solo lunar, em 1972, a Nasa já conduziu 161 missões espaciais tripuladas e 76 robóticas bem-sucedidas em todo o Sistema Solar, de Marte às luas de Saturno. Desde seu lançamento, em 1977, as espaçonaves gêmeas Voyager estão em missão de reconhecimento histórica, viajando para todos os planetas mais distantes do Sistema Solar, conduzindo experimentos e enviando depois as imagens e dados cruciais para nossa compreensão da natureza do cosmo.

Em 1979, a Voyager 1 encontrou evidências da existência de um oceano sob Europa, uma das luas de Júpiter que, segundo os cientistas, pode conter vida. Mesmo hoje, apesar de se encontrar a mais de 21,5 bilhões de quilômetros, viajando a 61 mil km/hora no espaço interestelar, a sonda continua transferindo dados para a Terra.

Quando a Apollo 11 aterrissou na Lua, ainda não tínhamos detectado nenhum exoplaneta, buracos negros e alienígenas eram ideias extravagantes, oceanos e vulcões de outros mundos eram material de ficção científica, e nunca tínhamos enviado nenhuma nave espacial além de Marte. Apesar de discreto, o progresso é tremendo e inegável.

Há gerações inteiras de cientistas, astrônomos, físicos e engenheiros na ativa que dão como motivação para seguir a carreira em que se encontram o testemunho da aterrissagem da Apollo na Lua ou a passagem das Voyager nos anos 70 e 80. Grande parte de nosso conhecimento básico do funcionamento do clima, da formação dos planetas, do nascimento das estrelas e quanto tempo têm de vida (incluindo o nosso Sol) é resultado das análises feitas por programas da Nasa.

Apesar disso, seus benefícios nunca foram estritamente intergalácticos; tanto a câmera do seu celular como a espuma de memória do seu colchão estão entre as centenas de produtos comerciais baseados nas tecnologias da agência.

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A Rede de Espaço Profundo do Laboratório de Propulsão a Jato – espalhada pela Califórnia, Espanha e Austrália – não só serve de ligação de estação terrestre para satélites no espaço, como também rastreia asteroides próximos à Terra que representem ameaça de perigo. E tudo isso operando com apenas 0,5% de todo o orçamento federal.

Nem sempre o órgão foi tão subfinanciado e desprestigiado.

Indiscutivelmente, o discurso que definiu a corrida espacial foi feito em 1962, pelo então presidente John F. Kennedy, na Universidade Rice, em Houston, em apoio à missão da Nasa. “Optamos por ir à Lua ainda nesta década e fazer outras coisas, não porque são fáceis, mas porque são difíceis”, ecoou sua voz, em tom inesquecível. Menos lembrada, porém, é a segunda parte da frase, na qual ele lembra os norte-americanos que, além da disputa de poder, “esse objetivo servirá para organizar e mensurar o melhor de nossa energia e nossas habilidades”.

Nesta era de exploração, tal energia e habilidades são mais bem aplicadas se olharmos muito além da névoa fina e azulada de nossa atmosfera, além da atração inevitável causada pela Lua. É muito fácil esquecer que a velocidade da luz é de 299.792.458 metros por segundo, que um ano-luz corresponde a 9,4 trilhões de quilômetros e que o universo é tão imenso que a luz mais distante ainda nem chegou à nossa nesga de céu.

A Apollo 11 levou apenas oito dias para completar sua missão; em termos de exploração espacial, isso equivale a gratificação instantânea. Aprender a valorizar essa época contemporânea de viagens espaciais exigirá mais verbas e o desenvolvimento de uma apreciação pelo deslumbramento paciente.

Desde 1990, o Telescópio Espacial Hubble, o maior já lançado até hoje, circunda a órbita terrestre. É tão poderoso que poderíamos identificar dois vaga-lumes em Tóquio olhando através de suas lentes em Nova York. O equipamento analisa as profundezas do espaço, coletando pacientemente a luz que viaja pelo universo, entregando-a para nós em imagens absolutamente inéditas, na forma de galáxias, supernovas e nébulas. É uma máquina do tempo – e sem ele não saberíamos que pertencemos a uma entre o que possivelmente são trilhões de galáxias.

Aprender a valorizar essa época contemporânea de viagens espaciais exigirá mais verbas e o desenvolvimento de uma apreciação pelo deslumbramento paciente

Os astronautas da Estação Espacial Internacional têm um papel diferente na nossa vida cívica do que tiveram os das missões Apollo; nem eles, nem seus emissários robóticos ganham desfiles ou transmissões ao vivo de televisão. Ninguém para de fazer o jantar quando uma sonda entra na órbita de um novo mundo – mas só porque não estamos vendo não significa que não esteja acontecendo. O segredo para a cura do câncer ou a solução para a mudança climática podem muito bem estar escondidos entre as estrelas.

Aqueles cuja capacidade de atenção dura apenas o suficiente para registrar as missões à Lua sempre se sentirão decepcionados. Leva-se pelo menos seis meses para alcançar Marte, e muito mais para se chegar a qualquer outro lugar. O espaço opera em anos-luz, não em ciclos de notícias. Incorporar o deslumbramento paciente nos forçará a adiar nossa gratificação e nosso sonho de viver na Lua ou em Marte, e nos estimulará a descobrir a alegria e a conexão no que descobrirmos “por lá”.

Afinal de contas, conforme o espaço vai se revelando para nós, também nos dá respostas a algumas questões básicas da humanidade: como chegamos aqui? Estamos sozinhos? Poderemos encontrar significância entre as respostas? Aquele “salto gigantesco para a humanidade” foi, de acordo com o próprio primeiro homem, também “um pequeno passo” – a salva de abertura de uma Era de Descobertas, e não o auge dela.

Shannon Stirone escreve sobre ciência e vive na Grande San Francisco.
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