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A necessária interpretação sistêmica da soberania dos vereditos
| Foto: Theo Tavares

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve uma decisão de absolvição, proferida pelo Tribunal de Júri, que causou espanto à população. O caso julgado é de um homem que havia tentado matar sua ex-mulher, ao desconfiar que estava sendo traído. Como pode a mais alta corte da Justiça manter uma decisão como essa fundamentada na soberania dos vereditos?

Antes de qualquer afirmativa impulsiva, é preciso partir da premissa de que é incontroverso que as decisões proferidas pelo corpo de jurados são soberanas. Porém, é igualmente correto que cabe, sim, ao tribunal hierarquicamente superior exercer um juízo de controle das decisões do júri, de modo a serem convergentes com as provas produzidas nos autos.

Tanto é verdade que uma das mais legítimas críticas sobre as alterações promovidas pelo pacote anticrime, no que tange ao Tribunal do Júri, refere-se exatamente à prematura antecipação da execução da pena após a condenação do júri, por entenderem que tal modificação legal acaba por desconsiderar as reformas que podem ocorrer por ocasião do recurso de apelação.

Dentre as críticas mais racionais, encontra-se aquela fundamentada no fato de a soberania da decisão dos jurados não significar que outras garantias fundamentais podem ser relativizadas/esquecidas. A soberania dos vereditos deve se situar como uma garantia de independência dos jurados, de modo que eles possam realizar seus juízos de maneira livre e consciente.

Defende-se que as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri podem, sim, ser revistas, desde que dentro das hipóteses legais. E, nesse ponto, é preciso que se entenda que há uma flagrante diferença entre as decisões serem materialmente alteradas e serem cassadas para que novo júri possa ser realizado. Quanto à alteração de conteúdo, há um rigor para que seja mantida a integridade da decisão do júri por ser, logicamente, uma garantia constitucional. Porém, isso não significa que, caso os jurados decidam de maneira conflitante às provas produzidas, um novo corpo de jurados não possa ser formado. Aliás, mais do que legítimo, é fundamental à manutenção da justiça que novo júri seja realizado para analisar as provas e decidir o futuro processual (e pessoal!) do acusado.

É preciso ressaltar que a expressão legal de que é cabível apelação quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos dá margem a interpretações abertas, podendo levar a revisões de julgamentos adequados. Não era essa a intenção do legislador. Por isso existem os critérios interpretativos. E mais: é preciso que se tenha uma leitura sistêmica do ordenamento jurídico. É crucial que se atente que, para além da garantia da soberania dos vereditos, existe um limite racional das revisões de decisões quando alguma dúvida se faz existente: a tão renegada presunção de inocência (que tende a ser suprimida em prol do “princípio” – inexistente na Constituição Federal – denominado de “in dubio pro societate”).

Portanto, pode ser defensável a posição do STF ao manter a decisão proferida pelo corpo de jurados no caso outrora citado, desde que (sempre com essa ressalva), entre a soberania dos vereditos e a prova produzida nos autos, a dúvida se dê em favor do acusado.

Maria Augusta Souza, advogada criminalista, é professora de Processo Penal da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo.

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