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A quarta onda da Covid-19: o pior ainda está por vir
| Foto: Pixabay

Há dois meses, em artigo publicado também na Gazeta do Povo, apontei quais foram os erros, literalmente fatais, que nos levaram até a situação trágica em que estávamos naquele momento. De lá para cá, passamos em abril pela pior crise sanitária da história do nosso estado e estamos por entrar em um novo ciclo, ainda pior, no mês de junho.

Pelo boletim epidemiológico de 16 de maio, o Paraná contabiliza quase 25 mil óbitos. Em todo o ano de 2020, foram menos de 8 mil, enquanto que em 2021 já passamos dos 16 mil. Em quatro meses e meio, somamos mais que o dobro de óbitos por Covid-19 que todo o ano passado. O Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), vinculado à Universidade de Washington, tem sido uma das ferramentas mais assertivas para prospecção de casos e óbitos. De acordo com a última atualização, em 13 de maio, a expectativa é de que até setembro (daqui a mais quatro meses e meio), teremos mais 12 mil a 20 mil óbitos, 50% a 80% além da quantidade atual.

Já passamos por três picos da pandemia. O primeiro em agosto, com 50 óbitos/dia. O segundo pico foi em dezembro, com 80 óbitos/dia. O terceiro foi no mês de abril, quando chegamos a 250 óbitos/dia. A projeção para o quarto pico é que ocorra em junho, quando provavelmente passaremos de 300 óbitos/dia – e não deve ser o último, dada a forma como temos enfrentado a pandemia.

Além dos picos sucessivos e crescentes, o que assusta é a queda na média de idade dos internamentos e óbitos. Assusta pelo impacto familiar, social e econômico. A proporção de óbitos entre indivíduos abaixo de 60 anos em 2020 era de 22%. Já em 2021, estamos em 31%, e subindo. Ou seja, de cada 10 óbitos por Covid-19, 3 ocorrem em pessoas abaixo de 60 anos. Muito provavelmente essa proporção chegará a 40% nas próximas semanas. A representatividade dos óbitos em pessoas entre 30 e 39 anos aumentou de 2% para 3,9%, um incremento de 90%. Adapto as palavras de um professor com quem mantenho contato nos diversos grupos técnicos sobre o Sars-CoV-2: “Em 2019, perdemos nossos avós. Em 2021, perderemos nossos pais e amigos”.

A causa desse efeito está basicamente nas vacinas, que já exercem potente efeito protetor nos idosos, mas não ainda entre os mais jovens. No início da vacinação, diminui-se a gravidade, mas há pouco efeito na transmissibilidade. A consequência disso é que, como a chance de internamento entre jovens é menor, o colapso do sistema de saúde depende de um número muito grande de pessoas com a infecção no mesmo momento. É exatamente o que está acontecendo. De acordo com dados do IHME, estima-se que estamos atualmente com o maior número de pessoas com a infecção ativa, circulando, com potencial de transmitir o vírus. Digo “circulando” porque para cada caso notificado de Covid-19 no estado, há quatro a cinco casos que não fizeram diagnóstico. Ou seja, estão literalmente circulando e transmitindo. Não há estratégia de isolamento de casos que resista a 80% de subdiagnóstico.

Muitos dos problemas que vivemos em relação à pandemia se dão por uma total e completa descalibração das ações, seja pela população ou pelos gestores públicos. Todo o sistema de ajuste da transmissibilidade do vírus tem ocorrido de acordo com a taxa de ocupação hospitalar. Porém, isso é inadequado. É como se esperássemos chegar a 42 graus de febre para tomar um antitérmico, em de agir nos consagrados 37,8 graus.

Não precisamos esperar a taxa de ocupação chegar a valores críticos quando temos como saber com convicção que isso irá acontecer, com semanas de antecedência. A mobilidade, taxa de positividade, número de casos, taxa de reprodução efetiva (Rt), demanda reprimida de internamentos e internamentos são indicadores mais precoces e deveriam ser os gatilhos.

Em relação à população, até se justifica, já que não se espera um alto conhecimento de medicina, virologia e epidemiologia em geral. Dos gestores, é diferente. Alguns podem afirmar que não adianta agir se não houver adesão da população. Aí entra a capacidade de comunicação, com ênfase na compreensão dos mecanismos de transmissibilidade do vírus, percepção individual e coletiva de risco, divulgação de indicadores de forma clara, direta, transparente e processo contínuo de educação entre a relação de causa e efeito dos indicadores.

A sinalização por bandeiras, utilizada em algumas cidades, tem se mostrado extremamente problemática por dar muito peso aos indicadores tardios na hora de intensificar as restrições, mas, na hora de abrandar as medidas, priorizar os indicadores precoces. O resultado não poderia ser outro. Ondas em cima de ondas, com picos crescentes partindo de taxas de ocupação cada vez mais elevadas. A cidade de Curitiba pelo menos pode ser criticada quanto aos critérios. O estado nem sequer optou por utilizar esse tipo de sinalização. Qual é o atual nível de alerta do estado do Paraná nesse momento? Independentemente de certo ou errado, simplesmente não há o que se discutir, porque não existe o dado. Para se chegar a um veredito, é necessário baixar dados de planilhas, plotá-los em uma ferramenta estatística e repetir o processo inúmeras vezes com cada indicador. E não esquecer de ler diariamente as publicações do The Lancet, New England Journal of Medicine, Journal of the American Medical Association, Science e Nature para interpretar tudo corretamente.

Como cobrar a utilização de todos os artifícios que sabidamente poderiam reduzir o impacto da pandemia como testagem em massa, rastreamento de contatos, comunicação efetiva, uso de indicadores precoces para sinalização de alertas, uso inteligente de medidas restritivas, se estamos descalibrados nos conceitos mais básicos?

A população põe a culpa nos gestores. Os gestores põem a culpa na população. Deveríamos nos unir para compartilhar informação e dados epidemiológicos de forma efetiva, fazendo com que ações assertivas ocorressem em tempo oportuno, no timing ideal, poupando vidas. Precisamos de comunicação e ações! Tanto da sociedade quanto de quem a representa.

Bernardo Montesanti Machado de Almeida é infectologista do Serviço de Epidemiologia Hospitalar do Complexo Hospital de Clínicas-UFPR e diretor médico do Laboratório Hilab.

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