O Congresso Nacional está a um passo de aprovar uma lei que representa uma conquista para a Saúde no Brasil. Após ser aprovada com 292 votos favoráveis pela Câmara dos Deputados, seguiu para a apreciação do Senado a proposta que regulamenta o exercício da medicina no país. Apesar da aparente obviedade sobre qual o papel dos 344.034 médicos na assistência à população brasileira, o Projeto de Lei 7.703/2006 preenche uma lacuna importante ao definir de forma clara, objetiva, os atos privativos destes profissionais e aqueles que podem ser compartilhados com as outras 13 categorias vinculadas ao campo da saúde.
O texto não elimina os avanços alcançados pela multiprofissionalidade da atenção em saúde. Pelo contrário, valoriza o espaço de enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, biólogos, biomédicos, farmacêuticos, fonoaudiólogos, profissionais de educação física, terapeutas ocupacionais e técnicos e tecnólogos de radiologia, entre outros, ao ressaltar o que as regulamentações de cada uma dessas categorias já fizeram quando definiram o escopo de suas atuações.
O projeto não impede que todos estes profissionais participem ativamente das ações de promoção da saúde, de prevenção de doenças e da reabilitação dos enfermos e pessoas que vivem com deficiências. Na verdade, estimula a mútua colaboração entre todos os profissionais da saúde com suas respectivas competências com o objetivo de garantir o bem-estar individual e coletivo dos cidadãos.
Mas o projeto vai além e assegura algo a que todo brasileiro deve ter direito: o diagnóstico de seu problema de saúde e o tratamento para enfrentá-lo, assim como o direito a que procedimentos invasivos, que envolvam risco de vida, sejam realizados por um médico devidamente capacitado, avaliado e fiscalizado por instâncias de controle profissional, como os 28 Conselhos Federal e Regionais de Medicina, além das associações e sociedades médicas. A confirmação dessa conquista pelo Senado, prevista para as próximas semanas, consolidará o senso comum e a jurisprudência existente sobre o assunto, aprovadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Quando adoecemos queremos ser atendidos por médicos. Quando nossos filhos, pais e irmãos adoecem, queremos que um médico investigue as causas de nosso problema, o diagnostique e nos oriente sobre o que fazer. Com a ampliação e a especialização dos diferentes campos do conhecimento, logicamente outros profissionais podem participar na recuperação da saúde dos pacientes. No entanto, cabe ao médico fazer o diagnóstico e o tratamento, principalmente em função de sua formação profissional e pela confiança nele depositada pelos pacientes.
A população passa ser a grande beneficiada com a mudança, pois contará com uma linha de cuidados integral e articulada dentro de princípios de competência e responsabilidade. Isso trará maior segurança e proteção aos pacientes ao contribuir para evitar distorções que colocam a vida e o bem-estar de todos em risco. As recomendações e prescrições passarão a serem implementadas segundo critérios rígidos e científicos, que asseguram uma avaliação holística, integral, e não apenas em função de sinais e sintomas que nem sempre refletem a real dimensão de uma doença ou agravo de saúde.
Por outro lado, a legislação será também um instrumento de aperfeiçoamento do próprio Sistema Único de Saúde (SUS) ao exigir que os gestores, em todas as esferas (federal, estadual e municipal), contem em suas equipes com médicos. Esta é uma maneira de enfrentar a iniquidade do acesso à saúde no país, evitando que apenas recebam a orientação de profissionais da medicina aqueles que têm recursos para pagar uma consulta ou um plano privado de saúde.
A sociedade aguarda por esta mudança, que não pode demorar mais. A regulamentação do exercício da medicina não prejudica categorias profissionais nem cerceia direitos. Na realidade, cumpre a função de tornar cristalino o espectro das responsabilidades e das competências da atividade médica, fundamental para o cuidado da saúde. O tema, que está sobre a mesa dos senadores, é urgente e imprescindível para transformar o que existe de fato também em um direito. A saúde do Brasil espera por isso.
Roberto Luiz dAvila é presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM).



