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Só tenho a lamentar a ação civil pública que alguns sindicatos e o Centro Acadêmico Hugo Simas ajuizaram para retirar as fotos dos ex-presidentes militares da galeria da Presidência. A história existe para ser estudada e não para ser apagada, especialmente para que não se cometam os mesmos erros do passado e para que ela não se repita, nem mesmo como farsa.

Há inúmeros exemplos na história de tentativa de controle de informação pelo Estado ou por instituições, para que a população não tivesse acesso aos fatos, expediente muito comum em regimes totalitários de esquerda ou de direita. A própria Igreja Católica tinha uma lista de livros proibidos, justamente porque questionavam as verdades que ela pretendia esconder, fato bem retratado no livro O Nome da Rosa. Talvez a mais famosa dessas censuras tenha sido impingida a Nicolau Copérnico, que, ao dizer que o Sol, e não a Terra, era o centro do universo, atacava a ideia de centralidade do ser humano como criação de Deus. Todas essas tentativas foram pífias e a verdade, mais cedo ou mais tarde, emergiu forte dos fatos históricos.

Parece que tentamos repetir, agora de modo burlesco, os erros do passado justamente para reescrever a história, e isso porque discordarmos do que ela representou. Retirar a estátua do general Robert E. Lee, iniciativa que gerou um incidente trágico e vergonhoso nos Estados Unidos, não o retira da história e também não faz dele menos herói aos olhos dos confederados e no contexto histórico em que estava inserido, como líder da Confederação dos Estados do Sul. Se por defender a escravidão alguém deveria ser apagado da história, o que dizer de Zumbi dos Palmares, símbolo da luta contra o racismo e a escravidão, que também tinha seus próprios escravos?

Se por defender a escravidão alguém deveria ser apagado da história, o que dizer de Zumbi dos Palmares, que também tinha seus próprios escravos?

Esclareço aos apressados que combato todo tipo de autocracia (da ditadura do proletariado à militar) e acho o racismo e a escravidão algumas das coisas mais abjetas da história da humanidade, mas a história precisa ser vista com os olhos e o contexto da época. Não se pode revisá-la com a visão do mundo atual, sob pena de não sobrar ninguém para dela fazer parte, a depender do espectro ideológico a que cada um pertence.

A ação ajuizada para suprimir as fotos dos presidentes militares não é diferente do que ocorreu no passado e nem do que ocorreu em Charlottesville recentemente. Todas essas tentativas pretendem ocultar a verdade histórica e, no caso presente, o que é mais incrível, mudar o passado. Não podemos mudá-lo; podemos apenas entender o que aconteceu naquele contexto, retirando disso lições para o presente e para o futuro. Se tudo o que ocorrera no passado, na nossa particular visão ou na de um grupo de pessoas, não for do nosso agrado e em razão disso puder ser alterado ou suprimido, estaremos burlando a história e incorrendo em desserviço às gerações futuras, justamente por não permitir que conheçam o passado e os nossos erros. Sendo simplista – mas o fato é histórico –, se Hitler conhecesse o passado e visto o que ocorrera com as tropas de Napoleão um século antes, não teria tentado invadir a Rússia no inverno, fato tido como decisivo para selar o destino da Segunda Guerra Mundial.

Opinião da Gazeta:O busto do reitor (editorial de 21 de abril de 2014)

Demétrio Magnoli:O touro alado de Nínive (12 de março de 2015)

Só para ilustrar ainda mais o absurdo, pergunto aos que querem poderes para mudar o passado: o que devo dizer na aula de Direito Constitucional? Devo suprimir também a parte das Constituições de 1824, 1937 e 1967 (EC n. 1/69), porque foram outorgadas? E Getúlio Vargas, também deve ser suprimido do rol dos ex-presidentes e excluído da história? Por que ele não consta da ação ajuizada?

Fico feliz em lembrar que, enquanto a liberdade de expressão for um direito fundamental, tanto as Constituições quanto esses vultos da história estarão lá, ainda que o que representem seja um escárnio ou até uma afronta ao pensamento atual.

Talvez um modo de lidar com a história indesejada seja a solução dada por uma pequena cidade canadense que, instada a retirar a suástica talhada em uma estátua em praça pública, optou por colocar ao lado uma bela placa retratando as atrocidades do nazismo.

Devemos aprender com os erros cometidos e tentar evitá-los. O resto serão apenas repetições, como farsa, de uma história que não se quer repetir, mas também não se quer esquecer.

Alexsander Roberto Alves Valadão, mestre e doutor em Direito do Estado, é professor da PUCPR.
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