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Será que estamos realmente formando médicos preparados para cuidar da nossa saúde? Essa é uma pergunta que me faço constantemente, e os dados que chegam ao Conselho Federal de Medicina (CFM) são, para dizer o mínimo, assustadores. A proliferação desordenada de cursos de medicina no Brasil, aliada a um sistema de avaliação defasado, criou um cenário preocupante que exige ação imediata e robusta.
A realidade é alarmante. Um exemplo desse cenário caótico é a experiência realizada pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), que avaliou estudantes de medicina recém-formados durante alguns anos. Em quase todas as edições, praticamente metade não conseguiu comprovar competências mínimas para exercer a profissão. Em 2015, 2016, 2017 e 2018, o percentual de aprovação foi de 51,9%, 43,6%, 64,6% e 61,8%, respectivamente. Esses números não são apenas estatísticas, mas refletem uma falha sistêmica que compromete a segurança do paciente e a própria integridade da profissão.
Não dá para continuar com o discurso de que testes de progresso e a avaliação de cursos vão resolver o problema criado com as 494 faculdades de medicina – e as que ainda virão
Hoje, o Brasil conta com impressionantes 494 escolas médicas, sendo 80% delas privadas e, chocantemente, 72% sem um hospital-escola próprio, de acordo com levantamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Ainda segundo o estudo, entre janeiro de 2024 e setembro de 2025 foram autorizadas a criação de 77 novas escolas de medicina, o que corresponde a 4.412 novas vagas de graduação. Um reflexo desse crescimento desenfreado é a autorização de cursos de medicina em cidades com menos de 40 mil habitantes, em Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Quais critérios técnicos subsidiaram essas autorizações? Se não bastasse a abertura de novos cursos, autorizaram as faculdades existentes a ampliar o número de vagas. São mais 1.049 vagas adicionais.
É nesse contexto que a proposta do Exame Nacional de Proficiência em Medicina (ProfiMed) se torna não apenas relevante, mas crucial. Não se trata de uma simples prova cognitiva, mas de um modelo robusto, inspirado no Revalida, com uma segunda fase prática de OSCE (Objective Structured Clinical Examination), que avalia habilidades e atitudes. A avaliação de médicos para seu licenciamento é uma prática universal; o Brasil, infelizmente, faz parte da exceção que não a adota.
Minha defesa pelo ProfiMed se baseia em princípios claros e na experiência de quem lida diariamente com as consequências da má formação. O CFM defende a “segregação de funções”: quem forma não pode ser quem avalia a competência profissional. É um conflito de interesses inerente. Enquanto quem abre cursos também avalia as instituições, o jogo político vai prevalecer e não veremos cursos serem fechados ou a abertura de novos ser contida.
O ProfiMed, como proposto no PL 2.294/2024, dialoga diretamente com a avaliação dos cursos de medicina, formando um sistema de avaliação híbrido e seriado. Ele não substitui, mas complementa e dá efetividade ao que já existe. Além disso, não adianta apenas abrir vagas de residência; deve haver uma equacionalização entre vagas de graduação e vagas de residência. Sem fechar cursos de graduação, abrir mais vagas de residência é enxugar gelo. A preocupação central é a má formação. A população precisa ser protegida, e nós, médicos, também.
O que me dá esperança é que 90% dos estudantes de medicina apoiam um exame de proficiência. Eles buscam a segurança de estarem capacitados para atuar, evitando situações trágicas que podem encerrar suas carreiras. O exame é uma responsabilidade social para garantir a segurança do paciente, não uma reserva de mercado.
Aliás, em pouco tempo, seremos mais médicos do que enfermeiros no Brasil, e dezenas de países já adotam esse tipo de avaliação. O CFM também lançou a Resolução 2.434/2025, que fiscaliza campos de estágio, podendo até interditá-los se não houver aprendizado adequado. O que não dá é para continuar com o discurso de que testes de progresso e a avaliação de cursos vão resolver o problema criado com as 494 faculdades de medicina – e as que ainda virão. A segurança do paciente depende de uma formação médica qualificada, e essa deve ser a prioridade.
Alcindo Cerci, médico, professor e conselheiro federal de medicina.



