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 | Vinícius Mendonça/Ibama
| Foto: Vinícius Mendonça/Ibama

Após o ocorrido em Brumadinho, muitas pessoas passaram a acusar a empresa Vale de descaso, ganância, falta de compromisso com a sociedade e com o meio ambiente. Para as acusações, seu presidente respondeu prontamente: “A Vale é uma empresa muito séria. Fizemos um esforço imenso do ponto de vista de deixar nossas barragens na melhor condição possível, usamos toda a tecnologia, especialmente depois de Mariana. Há uma lista infindável de ações tomadas do ponto de vista de garantir estabilidade e segurança das barragens”, disse o presidente da Vale, Fabio Schvartsman, ao Jornal Valor Econômico .

Mas será que foram feitas tantas ações assim? O que se esperar de uma empresa gigantesca que ao passar pela maior tragédia ambiental do Brasil, o caso do rompimento da barragem de Fundão em Mariana em 2015, prometia mudanças radicais em sua estrutura? Fato é que seu quadro diretivo foi substancialmente alterado em 2017 e que este discursava sobre um novo tempo onde responsabilidade, segurança e sustentabilidade teriam atenção total e seriam as locomotivas da empresa nos próximos anos.

Uma empresa sempre deve ter como base a conjugação harmônica entre os valores econômicos e morais

Dois anos depois é justamente neste ponto que podemos fazer uma análise um pouco mais cuidadosa de alguns conceitos importantes. Um deles é o de sustentabilidade no âmbito empresarial, que segundo nosso entendimento é “o respeito aos valores que dão sustento ao seu negócio”. Fazendo uma relação com o material contido no site da própria Vale, entende-se como os valores da empresa: 1) A vida em primeiro lugar; 2) Valorizar quem faz a nossa empresa; 3) Cuidar do nosso planeta; 4) Agir de forma correta; 5) Crescer e evoluir juntos; 6) Fazer acontecer. Ainda no site da Vale estão os valores conhecidos como “compromissos”: cuidar das pessoas; incorporar a sustentabilidade aos negócios; gerenciar o portfólio com rigor e disciplina; focar em minério de ferro; e crescer por meio de ativos de classe mundial.

Ainda em seu Relatório de sustentabilidade, de 2017, a Vale explica como ela constrói valor para a sociedade da seguinte maneira: “Maior mineradora das Américas e uma das maiores do mundo, a Vale tem seu propósito expresso na missão de, por meio da mineração, transformar recursos naturais em prosperidade e desenvolvimento sustentável. Isso significa trabalhar com o intuito de gerar retorno econômico para acionistas e, ao mesmo tempo, adotar boas práticas para proteção do meio ambiente e de atuação social” e afirma ao proclamar sua visão: “Ser a empresa de recursos naturais global número um em criação de valor de longo prazo, com excelência, paixão pelas pessoas e pelo planeta”.

Opinião da Gazeta: A Vale privatizada e a função estatal (editorial de 29 de janeiro de 2019)

Leia também: Um Brasil de selvagens, não por acidente (artigo de Clóvis Borges, publicado em 4 de fevereiro de 2019)

A partir dessas análises, fica claro então que a geração de valor na Vale está distorcida. Ou seja, centrada na prosperidade, que define como geração de lucro aos seus acionistas, tendo os demais valores em segundo plano. Isto e muitos outros casos de desvio de valores atrelados à sustentabilidade se deve pela atual distorção no pensamento sobre o papel das empresas, que num mundo exageradamente materialista, servem apenas para gerar recursos financeiros abundantes.

A luta por metas financeiras está disseminada nas empresas de mercado, o que é um grave erro. Não se trata apenas disso. Empresas são, na verdade, comunidades de pessoas reunidas para um fim, o trabalho, e é através dele que os seres humanos se realizam, tanto no sentido emocional, como capital.

Uma empresa sempre deve ter como base a conjugação harmônica entre os valores econômicos e morais, fazendo com que a prioridade seja a realização humana. Ou seja, o homem e seus valores devem sempre ser o princípio e fim da economia. Seguindo essa linha de pensamento, a empresa acaba sendo considerada um bem comum de empresários e trabalhadores a serviço da sociedade (respeitando-se, obviamente o direito de propriedade e o direito de obtenção de lucro). O mais importante neste ponto é que esta geração de riquezas acabe transcendendo o acúmulo de capital, promovendo a legítima cooperação entre capital e trabalho. É aí então que há o aperfeiçoamento do ser humano e de toda a sociedade através das empresas constituídas.

Leia também: Brumadinho, Mariana, impunidade e descaso (editorial de 28 de janeiro de 2019)

Leia também: Economia da prevenção e a barragem de Brumadinho (artigo de Marcelo Ling e Gustavo Mineto, publicado em 4 de fevereiro de 2019)

Enquanto não houver esta mudança de foco, que deve sim, ser motivada pelo poder público, as empresas continuarão a desrespeitar os verdadeiros valores que pretendiam ver efetivados. Portanto não há surpresas se no caso desta tragédia de Brumadinho, voltarmos a nos deparar com manchetes de protestos, cobranças e funcionários pedindo mudanças.

E finalmente respondendo à pergunta que intitula esse artigo: Com certeza não, a Vale não é uma empresa sustentável. Ao definir sua missão e tomar suas decisões administrativas, ela esqueceu-se de priorizar e respeitar os valores que ela mesma definiu para si. E, ao agir desta forma, o resultado não poderia ser diferente do que já vimos e continuamos vendo. Restam aos gestores o lamento e o discurso “Não existem palavras para a dor que estou sentindo com o que terá sido causado às vítimas” .

Vítimas são todos. Os que se foram, as famílias, e também os próprios gestores que sofrem de uma visão equivocada da economia e seus valores.

Glauco Requião é ex- diretor de Meio Ambiente da Sanepar e criador da plataforma Postura Sustentável.
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