Não há como se rasgar a história, apagar os históricos. Primeiro cito o exemplo clássico da primeira casa de jogos criada no mundo, o Cassino Flamingo, em uma área do deserto americano que depois veio a ser chamada de Las Vegas, ideia e criação do mafioso Bugsy Malone e que funcionou como um dos braços da máfia americana por muitos anos, como tantos outros, relatados muito bem pelos filmes de Hollywood. Podemos citar também a presença forte e sanguinolenta da máfia japonesa agindo sempre por trás da jogatina usada para lavar o dinheiro do tráfico de drogas, de pessoas, de armas. E, para que o cenário fique mais próximo, a entrada avassaladora da máfia espanhola no Brasil através das casas de bingo e máquinas caça-níquel.
A própria história da jogatina no nosso país já é confusa, nebulosa, cheia de episódios de corrupção, lavagem de dinheiro, sonegação de impostos. No começo da década de 90, as casas de bingo foram legalizadas com um motivo aparentemente nobre: incentivar e financiar o esporte brasileiro. Mas em pouco tempo viu-se que quase nada era repassado para isso. Uma investigação comprovou que além de não repassar o dinheiro para o esporte, os empresários sonegavam impostos e lavavam dinheiro do tráfico de drogas. A CPI que se criou na época para investigar o caso virou alvo de investigação: a máfia da jogatina de mãos dadas com o crime organizado teria jorrado milhões em propina para que os bandidos não fossem incriminados.
Pouco mais de dez anos depois, a história praticamente se repetiu. O argumento nobre desta vez era a geração de mais de 100 mil empregos diretos e outros 200 mil indiretos. Números desmascarados pelo Ministério Público Federal e apurados pela Caixa Econômica mostravam que em 2004 os 395 bingos registrados no país empregavam exatas 7.698 pessoas.
A briga pela legalização levou a máfia da jogatina a jogar pesado comprando juízes, policiais, desembargadores, políticos e todos os agentes públicos que pudessem manter as casas em funcionamento. Eram os tentáculos do crime organizado ganhando espaço para agir.
Uma das mais memoráveis operações da Polícia Federal contra a máfia da jogatina foi a Hurricane que desmantelou um esquema de compra de sentenças judiciais que favoreciam casas de bingo e o funcionamento de máquinas caça-níqueis. Mais tarde, as investigações mostraram ainda que a máfia dos bingos pagava R$ 1 milhão de mesada para policiais federais, civis e militares corruptos no Rio de Janeiro. Mas não podemos esquecer dos "Comendadores", dos "Grats"e dos "Ivos", espalhados pelo Brasil que se utilizaram, enquanto puderam, da jogatina como atividade criminosa.
Agora, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Deputados do Congresso Nacional aprovou novo projeto de legalização dessa atividade. Um dos argumentos é a geração de milhares de empregos. Mentiroso, como já comprovado. Juntam-se a esses argumentos a destinação de recursos para cultura, educação, saúde e segurança pública. Outra mentira, que se aproxima do cinismo, como se dissessem, vamos legalizar uma atividade danosa, mas vamos dar dinheiro para tratar as doenças que ela causa e para a polícia prender os bandidos com ela envolvidos.
Precisamos aprender com a história. Legalizar os jogos no Brasil é alimentar os tentáculos do crime organizado, é fechar os olhos para a sonegação de impostos, para a lavagem de dinheiro. Lavar dinheiro do tráfico é dar força a este crime que é a causa de guerras na sociedade, que dizima milhões de dependentes químicos todos os anos e que mata milhões de brasileiros. Legalizar os bingos é, sem sombra de dúvidas, fortalecer a criminalidade neste país.
Luiz Fernando Delazari é secretário da Segurança Pública do Paraná
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