
Ouça este conteúdo
A migração é, hoje, uma questão humanitária de abrangência mundial. Guerras na Europa e no Oriente Médio, conflitos regionais, com motivos étnicos e religiosos na Ásia e África, ditaduras e crises econômicas na América Latina: tudo isso tem feito com que um número cada vez maior de famílias decida deixar sua pátria e buscar melhores condições de vida como migrantes em outros países.
Muitos países optam, nesse contexto, por uma postura de fechamento. “America First!”, brada o presidente dos Estados Unidos da América, aferrando-se a uma política de construir muros, barrar pessoas na fronteira e fazer deportações em massa. Recentemente, o Canadá também implementou uma série de restrições à imigração, reduzindo em 21% o número de permissões para residência permanente e limitando inclusive a entrada de estudantes de fora.
O Paraná, ao contrário, foi construído por migrantes vindos de diversas nações, de diferentes continentes e em várias ondas migratórias. Somos uma grande família de múltiplas origens étnicas e culturais: poloneses, ucranianos, italianos, portugueses, japoneses, espanhóis, alemães e tantos outros. Fiel a esse legado, o governador Ratinho Júnior tem promovido ativamente uma política hospitaleira e esperançosa para os irmãos vindos de fora. Nosso modelo de hospitalidade é exemplo para o mundo.
Ao abrir nossos braços aos migrantes e refugiados, não estamos apenas cumprindo um dever; estamos enriquecendo nossa sociedade com novas perspectivas, talentos e culturas. Estamos, acima de tudo, exercendo a justiça em sua forma mais elevada: aquela que reconhece a dignidade intrínseca de cada indivíduo
O número de trabalhadores migrantes exercendo um ofício remunerado no Paraná cresceu exponencialmente nos últimos anos. Em 2024, mais de 62,2 mil trabalhadores migrantes estavam formalmente empregados no Paraná, de acordo com dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES). O estado foi pioneiro na criação de um Plano Estadual de Políticas Públicas para Promoção e Defesa dos Direitos de Refugiados, Migrantes e Apátridas, já em 2014. No ano seguinte, também foi instituído o Conselho Estadual dos Direitos dos Refugiados, Migrantes e Apátridas do Paraná (CERMA). E, em 2016, tivemos a instituição do Centro Estadual de Informação para Migrantes, Refugiados e Apátridas do Estado do Paraná (CEIM).
Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), entre 2018 e 2025 chegaram 28.269 venezuelanos ao Paraná em busca de novas oportunidades. Curitiba, particularmente, tem despontado como a capital brasileira que mais acolhe essa população, tendo recebido 8.699 venezuelanos no mesmo período. Outros países da América do Sul que fazem fronteira com o Brasil, como Paraguai, Argentina e Colômbia também estão entre as principais origens das pessoas acolhidas pelo Paraná.
Eu mesmo sou filho de migrantes. Na década de 1960, meus pais vieram de Portugal para recomeçar a vida no Brasil e escolheram o Paraná como seu novo lar. Por isso me identifico de um modo particular com as pessoas que vêm cheias de sonhos e vontade de trabalhar e se desenvolver, mas enfrentam o desafio de se instalar numa nova terra, às vezes com uma cultura diferente, leis diferentes e até uma língua diferente.
Muitos migrantes são constrangidos pelas circunstâncias a migrar. É o caso dos refugiados que se veem forçados a fugir de sua terra natal por conta de guerras, catástrofes naturais, crises econômicas e perseguições políticas. Em Lampedusa, ilha italiana no Mar Mediterrâneo famosa por receber milhares de migrantes africanos que sempre tentam entrar na Europa, mais de 31 mil vidas já foram perdidas em naufrágios desde 2014, reporta a OIM. Os migrantes tentam atravessar o mar e chegar a Lampeduza muitas vezes em embarcações precárias, superlotadas e perigosas, o que leva a esses fatídicos acidentes.
VEJA TAMBÉM:
Entre os dias 23 e 27 deste mês de junho celebramos a Semana do Migrante, que adquire um significado particular para um estado como o Paraná, que cada vez mais tem sido o destino de tantas pessoas que aqui chegam cheios de expectativas, de vontade de trabalhar e de recomeçar. Essa semana nos lembra da importância de acolher as pessoas que procuram refúgio em nossa terra, muitas vezes fugindo de condições desumanas em seus países de origem. São homens, mulheres e crianças que buscam uma chance de recomeçar e construir um futuro digno. Negar-lhes abrigo seria negar a própria essência da humanidade.
A hospitalidade para com o migrante não é apenas um preceito legal ou um ideal filosófico; é um valor que permeia diversas culturas e crenças ao longo da história. A própria tradição bíblica, em Levítico 19, 34, nos exorta: "Como o natural da terra, será entre vós o estrangeiro que peregrina convosco; amá-lo-ás como a ti mesmo, pois estrangeiros fostes na terra do Egito". Também Êxodo 23, 9: “Não oprimirás o estrangeiro; vós sabeis o que é sentir o coração do estrangeiro, pois fostes estrangeiros na terra do Egito”. Estes ensinamentos atemporais das Escrituras Sagradas ressoam como um lembrete poderoso de nossa responsabilidade mútua.
Ao abrir nossos braços aos migrantes e refugiados, não estamos apenas cumprindo um dever; estamos enriquecendo nossa sociedade com novas perspectivas, talentos e culturas. Estamos, acima de tudo, exercendo a justiça em sua forma mais elevada: aquela que reconhece a dignidade intrínseca de cada indivíduo e promove um ambiente onde todos possam prosperar, independentemente de sua origem. Que a Semana do Migrante seja um marco para essa reflexão e, sobretudo, para a ação concreta em prol dos que vem a nós em busca de condições de vida melhores.
Valdemar Bernardo Jorge, advogado e mestre em Direito Econômico e Social, foi professor convidado na Escola Superior da Magistratura Federal do Paraná, na Faculdade da Indústria IEL e na UniCuritiba. Foi secretário de Planejamento e Projetos Estruturantes, secretário do Desenvolvimento Sustentável e atualmente é secretário da Justiça e Cidadania (SEJU).



