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Em meados de agosto, o caso de um influenciador preso por suspeita de tráfico de pessoas e exploração de menores reacendeu um dos debates mais sensíveis da atualidade: a adultização de crianças nas redes sociais e a tênue fronteira entre entretenimento e crime. A investigação, iniciada na Paraíba e executada em São Paulo, reuniu Ministério Público, Ministério Público do Trabalho e forças policiais, em resposta ao crescente clamor social diante da exploração digital da infância. “Adultização” é um conceito sociológico que descreve a exposição precoce de crianças e adolescentes a linguagens, roupas e comportamentos sexualizados, frequentemente utilizados como estratégia de engajamento nas redes sociais e, em muitos casos, com finalidade de lucro.
Nem toda “adultização” configura crime. Contudo, quando se observa roteirização erotizada, aliciamento, contracenação ou monetização da exposição sexualizada, a questão ultrapassa a discussão moral e ingressa de forma direta no Direito Penal. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tipifica, nos arts. 240 a 241-E, condutas relacionadas à produção, difusão, armazenamento e manipulação de conteúdo de caráter sexual envolvendo crianças e adolescentes, com penas que variam de um a oito anos de reclusão, além de multa. Além disso, o art. 232 prevê crime autônomo para quem submeter crianças ou adolescentes a situações vexatórias ou degradantes, ainda que sem conotação sexual explícita.
Criadores de conteúdo que monetizem a exposição sexualizada de menores arriscam-se a responder por crimes graves; pais que consintam ou se omitam podem se tornar coautores
A responsabilização não recai apenas sobre o influenciador que aparece ou gerencia os conteúdos. Pais e responsáveis que consintam, induzam ou explorem seus filhos nesses contextos podem responder como coautores ou partícipes, além de estarem sujeitos a sanções administrativas e medidas cíveis, como a suspensão ou perda da guarda. Agenciadores, produtores e financiadores que integrem a cadeia de exploração também podem ser enquadrados como coautores, e anunciantes que se beneficiem economicamente dessas práticas igualmente correm risco de responsabilização.
No ambiente digital, a possibilidade de responsabilização das plataformas por esse tipo de conteúdo foi ampliada após o Supremo Tribunal Federal, em junho de 2025, declarar parcialmente inconstitucional o art. 19 do Marco Civil da Internet. Antes, os provedores só respondiam se descumprissem ordem judicial de remoção. Agora, podem ser responsabilizados civilmente sempre que não retirarem de imediato conteúdos que configurem crimes graves, como a pornografia infantil, mesmo sem decisão judicial prévia. A decisão reforça o dever de cuidado das empresas de tecnologia e a necessidade de mecanismos ágeis de prevenção e resposta.
O caso também lançou holofotes e acelerou a tramitação do Projeto de Lei 2.628/2022, conhecido como “ECA Digital”. A proposta, que tramitou em regime de urgência, foi aprovada rapidamente pela Câmara dos Deputados e pelo Senado e sancionada pelo presidente Lula. A nova lei estabelece medidas como verificação de idade, controles parentais e restrições à publicidade direcionada a crianças. Embora não crie novos tipos penais, a norma facilitará a coleta de provas, fortalecerá a atuação do Ministério Público e dará mais instrumentos ao Judiciário para coibir a chamada “adultização” digital. Não é a primeira vez que o Brasil enfrenta polêmicas envolvendo a exposição de crianças em conteúdos digitais inadequados. O canal “Bel para Meninas” foi alvo de intervenção judicial, enquanto a carreira precoce de MCs levanta dúvidas sobre exploração infantil e responsabilidade parental. Casos recentes reforçam a urgência de um tratamento jurídico mais rigoroso diante da exploração digital.
O Direito Penal, que deve ser sempre a última ratio, ganha protagonismo diante da urgência de proteger crianças e adolescentes. Criadores de conteúdo que monetizem a exposição sexualizada de menores arriscam-se a responder por crimes graves; pais que consintam ou se omitam podem se tornar coautores; e plataformas que falhem em coibir a circulação de materiais ilícitos enfrentarão riscos civis e regulatórios crescentes. A “adultização” deixou de ser mero fenômeno cultural ou sociológico e tornou-se eixo de responsabilização jurídica. Casos como o do influenciador que ganhou destaque recentemente marcam um divisor de águas nesse debate.
Luna Floriano Ayres é advogada especialista da área penal empresarial; Isabelle Teixeira Ruellas é advogada da área penal empresarial. Ambas são do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



