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A última semana testemunhou a abertura da conferência de paz chamada de Genebra II, convocada pela ONU, pelos Estados Unidos e pela Rússia, envolvendo o governo sírio e a oposição – representada pela Coalizão Nacional Síria – para tratar do conflito que assola a Síria há cerca de três anos. Segundo estimativas da ONU, o conflito já custou a vida de 130 mil pessoas, além dos 3,5 milhões de refugiados, sem mencionar os deslocados internos e a destruição do patrimônio histórico e cultural do país.

O evento, porém, começou sem otimismo em razão dos objetivos flagrantemente inconciliáveis dos protagonistas, em um contexto global cada vez mais tenso. Bashar Assad participa sem nenhuma intenção de deixar o poder, impondo como condição para sua saída a derrota em eventuais eleições. Em revanche, os grupos de oposição exigem, com apoio dos EUA, que a instauração de um governo de transição seja condição para a paz. Entre seus argumentos, queixam-se de que a comunidade internacional reduziu o dossiê sírio à sua dimensão "química", renunciando a perseguir Assad por seus crimes e esquecendo-se das vítimas de guerra. O fato se deve à disposição do governo sírio de desmantelar seu arsenal químico após adoção de resolução do Conselho de Segurança da ONU em setembro do ano passado. Entre os principais desafios que permeiam o conclave, porém, está a ausência de atores-chave, como o Irã (convidado pelo secretário-geral da ONU e em seguida desconvidado) e de grupos ligados à Al Qaeda, financiados pela monarquia saudita.

O pano de fundo do conflito sírio está desenhado pelo embate entre o Irã e a Arábia Saudita, na disputa por influência no Oriente Médio. A Síria é hoje o palco deste enfrentamento que já atingiu o Iraque e ameaça o Líbano. O Irã dá suporte militar e financeiro ao regime sírio, ao passo que a Arábia Saudita e seus aliados armam vários grupos de oposição formados por mercenários, com o intuito de derrubar o governo. Por isso Assad afirma não haver "guerra civil" na Síria, mas um conflito peculiar em que uma das partes é inteiramente armada por potências estrangeiras. O cenário fica ainda mais complexo em razão da retomada de relações dos EUA com o Irã, após três décadas de ruptura, e do renascer da diplomacia russa e sua influência na região.

A conferência traz também desdobramentos positivos e negativos, como a possibilidade real de uma solução negociada para o programa nuclear iraniano, inviabilizando a criação da bomba nuclear, mas admitindo o direito soberano daquele país de enriquecer urânio. A Agência Internacional para Energia Atômica (Aiea) mantém as inspeções no Irã, e a União Europeia levanta suas sanções econômicas contra o país. Por outro lado, a crise síria, bem como a chamada Primavera Árabe em geral, provocou o efeito de desviar a atenção da questão palestina (que vai de mal a pior) e, por conseguinte, diminuir a possibilidade de apoio dos países árabes.

Ainda assim, a conferência traz a esperança de uma solução pacífica para o conflito, já que até há poucos meses pairava a ameaça de intervenção militar dos EUA. Sua primeira conquista foi, sem dúvida, o fato de ter feito sentar à mesa de negociações frente a frente as partes beligerantes, fazendo-as ingressar no balé diplomático – apesar da recente suspensão, que se espera seja temporária, das negociações. Por outro lado, a gestão internacional da crise síria demonstrou que o unilateralismo puro e simples já teve o seu tempo, fato que Rússia, China e os Brics já entenderam, e parece que Barack Obama também.

Larissa Ramina é professora de Direito Internacional da UFPR e da UniBrasil.

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