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A anistia de crimes contra a ordem democrática e a vontade do constituinte de 1988

Rio de Janeiro (RJ), 21/09/25 " Manifestantes protestam contra a PEC da Blindagem e PL da Anistia na orla de Copacabana. (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

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A Constituição de 1988 não é um texto neutro nem um acidente histórico. Ela foi fruto de intensos debates, concessões e decisões conscientes. Entre essas escolhas, uma se destaca: a possibilidade de anistia a crimes contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. E isso não é interpretação livre; está registrado, de forma inequívoca, no Diário da Assembleia Nacional Constituinte de 23 de fevereiro de 1988.

Naquela ocasião, o constituinte Carlos Alberto Caó apresentou o Requerimento 2.184 para suprimir, do inciso XLIV do artigo 5º, a expressão “insuscetível do benefício da anistia”. A emenda correspondente manteve os crimes como inafiançáveis e imprescritíveis, mas preservou a possibilidade do perdão político em situações de pacificação social. Não foi um detalhe: foi uma decisão política clara.

O próprio Diário da Constituinte registra a aprovação dessa proposta em votação nominal, retirando do texto a vedação absoluta à anistia. A proposta foi aprovada por 281 votos favoráveis, dentre eles o do então deputado constituinte Luís Inácio Lula da Silva e de outros nomes relevantes da esquerda brasileira da época.

O constituinte Jutahy Magalhães (PMDB-BA) lembrou, naquele momento, que “a anistia, quando aplicada com oportunidade e responsabilidade, tem força para desarmar ânimos e reconstruir consensos” – algo vital para a democracia.

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Ignorar isso hoje é reescrever a história. O constituinte originário não quis vedar a anistia de forma absoluta. Ao contrário, manteve esse instrumento como recurso legítimo do Estado Democrático para equilibrar punição e pacificação.

Por isso, qualquer decisão judicial – inclusive do Supremo Tribunal Federal – que negue essa possibilidade não apenas interpreta restritivamente a Constituição: viola sua essência. Não reconhecer a prerrogativa do perdão político é desrespeitar a vontade expressa do povo constituinte e enfraquecer a própria democracia. Resgatar o sentido original de 1988 é afirmar que o perdão político, quando usado com responsabilidade, não é impunidade – é um mecanismo constitucional para promover estabilidade, reconciliação e reconstrução democrática.

Ismael Almeida é cientista político

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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