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Aposta não é investimento: o perigo da ilusão do dinheiro fácil

Apostar não é investir: é lazer com hora marcada. Tratar como renda alimenta vícios e ilusões; só a responsabilidade garante diversão segura. (Foto: Joedson Alves/Agência Brasil)

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Nos últimos anos, o mercado de apostas esportivas no Brasil cresceu de forma acelerada. Impulsionado pela digitalização, pela regulamentação em curso e, sobretudo, pela influência de criadores de conteúdo nas redes sociais, o setor ganhou enorme visibilidade. Mas, junto com a expansão, veio também a necessidade de um debate mais profundo, responsável e honesto sobre o que são e o que não são as apostas esportivas.

Antes de tudo, é preciso afirmar com clareza: apostar não é investir. Apostar é uma forma de entretenimento. Assim como ir ao cinema, assistir a um show ou jogar videogame, trata-se de uma experiência com começo, meio e fim, pensada para trazer emoção e lazer, e não lucros garantidos ou geração de patrimônio. Confundir esses conceitos é um erro que pode ter consequências sérias.

Infelizmente, essa distorção de percepção tem alimentado comportamentos problemáticos. No Brasil, ainda predomina uma cultura que associa a aposta à ideia de "dinheiro fácil", e essa narrativa é danosa não só para os jogadores, mas também para as próprias casas de apostas sérias, que não têm interesse em viciar seus usuários.

Ao contrário do que muitos pensam, o setor não quer jogadores compulsivos. A chamada “ludopatia” (vício em jogos) é tratada com rigor pelas plataformas regulamentadas, inclusive porque coloca em risco a sustentabilidade do próprio negócio.

Um jogador compulsivo perde o controle, ultrapassa seus limites financeiros, esgota rapidamente sua capacidade de consumo e, muitas vezes, recorre a comportamentos nocivos. Ele compromete a própria segurança e afasta outros usuários que poderiam se entreter de forma saudável.

Hoje, diversas operadoras já adotam sistemas inteligentes de monitoramento comportamental. Ao identificarem padrões que sugerem vício, essas plataformas bloqueiam os usuários e os encaminham para programas de apoio, como o da EBAC (Entidade Brasileira de Apoio aos Compulsivos), com o qual várias casas mantêm parceria.

É importante entender que, para uma plataforma de apostas, o jogador ideal é aquele que aposta com regularidade, responsabilidade, dentro do seu orçamento e utilizando o mínimo do seu tempo para esse “hobby”, sem deixar que afete suas atividades profissionais ou pessoais.

A prioridade sempre será os jogadores que separam, por exemplo, R$ 30 por semana para se divertir apostando, em vez de jogadores que acabam com seus recursos financeiros rapidamente e comprometem a integridade do negócio. O perfil do jogador constante é o que garante longevidade e confiança ao setor, assim como alguém que aposta R$ 5 toda semana em loterias federais, como a Mega-Sena.

Se olharmos para mercados mais maduros, como o do Reino Unido, veremos uma cultura muito diferente da que ainda se constrói no Brasil. Lá, as apostas esportivas fazem parte da rotina de lazer de milhões de pessoas, com forte regulação, campanhas educativas e regras rígidas contra o incentivo ao vício.

Segundo estudo da Gambling Commission do Reino Unido, publicado em 2023, apenas 0,3% da população britânica é considerada portadora de comportamento de jogo problemático (ludopatia), conforme os critérios do índice PGSI (Problem Gambling Severity Index).

A pesquisa também identificou 1,2% com risco moderado e 1,8% com risco baixo, indicando que a grande maioria dos apostadores no país joga de forma controlada. Os dados mostram uma estabilidade nas taxas de risco nos últimos anos e reforçam que, no Reino Unido, o jogo é amplamente praticado como forma de entretenimento, com acompanhamento regulatório e políticas ativas de prevenção.

A regulamentação brasileira, sancionada recentemente, é um passo fundamental para alcançar esse nível de maturidade, e acredito que ainda dará longos e positivos passos. As casas autorizadas passaram a seguir critérios claros de compliance, segurança, prevenção à lavagem de dinheiro, integridade dos jogos e proteção ao consumidor. Além disso, movimentam a economia nacional, impulsionam o setor esportivo com patrocínios e transmissões, geram empregos diretos e indiretos e recolhem tributos.

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Mas o papel das empresas, por si só, não basta. É urgente uma mudança cultural. Apostar precisa ser compreendido como algo lúdico, recreativo e eventual, e não como um atalho para enriquecer

Famílias, escolas e veículos de comunicação também têm responsabilidade nessa conscientização. E os próprios influenciadores que falam sobre o tema devem agir com ética e clareza, junto das casas de apostas a que estão associados, que também possuem total responsabilidade sobre os acordos e solicitações feitos a eles.

Temos como missão operar com transparência e promover um ambiente seguro para o usuário. Sabemos, fazemos e queremos isso mais do que se possa imaginar. Acreditamos que o entretenimento digital é parte da vida moderna, desde que acessado com parcimônia e responsabilidade. Por isso, reforçamos: a aposta não é investimento, é uma emoção com hora marcada e deve ser vista como diversão, jamais como fonte de renda.

Juliana Gavineli possui graduação em Ciências Contábeis e MBA em Finanças, é Diretora Financeira (CFO) do Grupo Ana Gaming.

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