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Sempre que se cogita mudar o escandaloso sistema previdenciário brasileiro, algumas vozes se levantam em desafinado coral de falácias defensivas. É natural, por se tratar de reação instintiva de quem se sente ameaçado em perder regalias e para quem o país pouco importa, pois o que lhes interessa é a manutenção das benesses de que desfrutam. Por que alguns de seus argumentos chegam a ser risíveis?

A retomada da irresponsabilidade fiscal promovida pelos governos petistas, somada à corrupção sistêmica, à dilatação do Estado e à manutenção de regalias injustificáveis, leva o simples bom senso a sugerir que o governo corte a própria gordura. Os gastos primários do governo federal, que eram de 14% do PIB em 1991, beiram os 24% em 2017 e a Previdência é a principal responsável por essa expansão: os gastos do INSS, que correspondiam a 3% do PIB no início dos anos 90, hoje representam 8,5 % do PIB. O déficit previdenciário total (que inclui os estados) atingiu, em 2016, a incrível cifra de cerca de R$ 315 bilhões. Ora, não é preciso ser gênio ou especialista na área para perceber que existe uma grande incompatibilidade entre esses gastos e capacidade de geração de receitas para sustentá-los. Não é alarmismo nem partidarismo; é simplesmente realismo.

Aceitar tipos diferentes de cidadãos, além de ser imoral, provoca consequências fiscais insustentáveis

Mas não se trata apenas de números. Temos de considerar também as distorções do atual regime previdenciário. No sistema atual há dois regimes: o “Geral”, aplicado aos trabalhadores do setor privado e gerido pelo INSS; e o “Próprio”, administrado pelo Ministério da Fazenda, para o funcionalismo público. O primeiro, que abarca cerca de 30 milhões de aposentados e pensionistas, apresenta uma aposentadoria média mensal de R$ 1,2 mil e teve déficit de R$ 150 bilhões em 2016; o segundo, que enfeixa apenas 3 milhões de funcionários públicos, mostrou, no mesmo ano, um déficit maior, de R$ 164 bilhões, e ostenta aposentadorias médias de R$ 7,5 mil (para funcionários públicos civis), R$ 9,5 mil (militares), R$ 18 mil (servidores do Ministério Público Federal), R$ 25,7 mil (Judiciário) e R$ 28,5 mil (Legislativo).

Temos, então, uma situação – vexatória, indefensável, abominável e imoral, sob qualquer aspecto –, que é a existência de duas categorias de brasileiros, com prerrogativas diferentes. O de classe B, do setor privado, de segunda categoria, que pode ser demitido caso seja incompetente ou a receita de sua empresa diminua, e que é obrigado a entregar parte do seu salário para sustentar a aposentadoria do brasileiro de classe A, aquele do setor público, que tem o “direito” de usufruir da renda do cidadão de classe B, usufruto que se dá sob a forma de uma aposentadoria em média quatro vezes maior e outras vantagens, como, por exemplo, a de ser aposentado com salário integral.

O servidor é vítima, não vilão: Quem são os verdadeiros privilegiados do Brasil? (artigo de

, presidente da Confederação Nacional dos Servidores Públicos)

Em suma, uma vez chegada a velhice, um lado – o dos vencidos – terá de penar em busca de serviços de saúde ou ser obrigado a pagar altas mensalidades em planos de saúde privados e contar cada centavo a ser gasto em alimentação, transporte, vestuário e – muito dificilmente – lazer. Do outro lado, o dos vencedores, os grandes favorecidos por esse nefando programa de distribuição de renda às avessas, do pobre para o rico, do mané da classe B para o dotô da categoria A. Aceitar tipos diferentes de cidadãos, além de configurar atitude profundamente imoral, provoca consequências fiscais insustentáveis.

Para finalizar, duas constatações: a primeira é a de que o Estado é o problema e não a solução; e a segunda, de que a reforma proposta pelo governo Temer não passa de um quebra-galho, absolutamente incapaz de impedir que pratiquemos com nossos descendentes a maior das indignidades, que será a de deixar para eles a responsabilidade de pagar o total da conta e, até mesmo, a possibilidade de que possam nem sequer vir a se aposentar com um mínimo de dignidade. O leitor acha isso justo?

Ubiratan Jorge Iorio, economista, é diretor acadêmico do Instituto Mises Brasil e professor associado da Uerj.
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