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Durante décadas, as coligações partidárias foram alvo de duras críticas por especialistas em Direito Eleitoral por unirem partidos políticos com ideologias significativamente conflitantes. Eram comuns as coligações que causavam estranhamento, unindo partidos de esquerda e de direita, liberais e conservadores, em misturas pouco homogêneas.
Este fato se dava, especialmente, porque no modelo das coligações partidárias a afiliação entre os partidos políticos restringia-se ao processo eleitoral, sendo muitas vezes firmada não por um juízo de identidade ideológica, mas por verdadeiro juízo de conveniência – soma de forças para a batalha, mas não para a guerra. Com a coligação, aumentava-se o tempo de propaganda e tornava-se mais potente a presença dos partidos pequenos pelo coeficiente eleitoral. Ocorre que a conveniência dos partidos políticos nem sempre era a conveniência do eleitorado, gerando uma justificada sensação de desconforto no eleitor.
Não obstante este mesmo estranhamento possa persistir nas eleições majoritárias, em que as coligações ainda são permitidas, as críticas mais duras eram reservadas para a extinta coligação proporcional. A principal crítica centrava-se na potencialidade de distorção do voto nas eleições proporcionais. Este resultado indesejado era consequência de nosso modelo proporcional de divisão das cadeiras legislativas, calculada de acordo com o coeficiente eleitoral – que é o cálculo de cadeiras de acordo com a votação das legendas coligadas somadas.
Em um exemplo simplista, numa disputa de 12 cadeiras de vereadores em um município de 12 mil eleitores, cada cadeira valeria mil votos. Se a coligação formada pelo Partido Um (conservador) e pelo Partido Dois (liberal) fizesse mil votos, faria jus a uma cadeira – que seria do mais votado na coligação, um destes personagens de ideologias totalmente divergentes, eleito por eleitores igualmente divergentes. Assim, o voto de um eleitor conservador em um vereador conservador acabava ajudando a eleger um vereador liberal.
Neste momento, parece que as federações não apresentarão o nível de potencial distorção democrática que as coligações acabavam por gerar, mas vão possibilitar a principal vantagem das coligações: o fortalecimento de partidos novos, de menor envergadura política.
Não à toa, quando surgiu a federação partidária, houve um receio coletivo de que retornássemos a esse padrão de distorção na representação. Reguladas pela Resolução TSE 23.670/21, as federações possuem diferenças muito significas das coligações partidárias, começando pelo caráter de permanência. Elas não são o romance de uma noite que eram as coligações, mas sim um casamento de pelo menos quatro anos.
As federações possuem abrangência nacional e são registradas na Justiça Eleitoral. Além disso, não se altera o dever de prestar contas dos recursos públicos que receberem. Apesar de os partidos federados conservarem nome, sigla, número, filiados e o acesso aos recursos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial para Financiamento de Campanha, os partidos federados passam a ter uma estrutura própria, com estatuto próprio.
É justamente essa natureza de permanência que representa a proteção dessa distorção que observávamos nas coligações partidárias. Naquele exemplo inicial, o cargo pertencia ao partido, sendo que a coligação não significava nada após o pleito. Com a federação, o cargo a ela pertence. Ainda neste caráter de permanência, as federações funcionarão como um partido, tendo uma bancada própria, com lideranças formadas a partir do que está previsto no estatuto da federação e no regimento interno das respectivas casas.
Duas federações já foram formadas para as eleições deste ano: a Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV) e a formada por PSol e Rede, ainda sem nome. Enquanto a primeira goza de certa homogeneidade e aceitação dentro dos partidos componentes, a segunda recebeu grande resistência de parcela dos federados, em especial dentro do PSol, cuja votação para integrar a federação foi bastante apertada, com 38 votos a favor e 23 contra.
Neste momento, parece que as federações não apresentarão o nível de potencial distorção democrática que as coligações acabavam por gerar, mas vão possibilitar a principal vantagem das coligações: o fortalecimento de partidos novos, de menor envergadura política. Veremos já nas eleições deste ano e nas gestões 2023-2026 seus efeitos práticos.
Juliana Bertholdi é advogada, especialista em Direito Eleitoral e em Direito Público, mestre e doutoranda em Justiça, Democracia e Direitos Humanos.



