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Felipe Lima

A trajetória da que talvez seja a cidade mais famosa do mundo, Nova York, serve para mostrar que decisões e sinalizações governamentais equivocadas podem, sim, desencadear um estado permanente de crise institucional e uma combinação bombástica de recessão, fuga de investimentos, queda nos cuidados com a cidade e aumento da criminalidade.

Ainda na década de 1980, a cidade era bem diferente do que é hoje, em que Manhattan é quase toda uma vizinhança de classe média e alta, incluindo boas partes do Harlem. O Bronx ainda é uma área em transformação urbana e que lembra, um pouco, o que era a cidade nos anos 1970 e 80. Regiões como o Harlem e Bowery e mesmo parte do Brooklyn atingiam um grau de degradação de que não tínhamos noção no Brasil naquela época. Os taxistas olhavam de esguelha, meio apavorados, quando se falava em ir a essas regiões.

O que mais chamou atenção no caso de Nova York foi o rápido estopim da situação de crise

O início da história dessa Nova York “barra-pesada”, que começou a fazer parte do passado definitivamente a partir da década de 1990, é catapultada a partir da recessão causada pela Crise do Petróleo durante os anos Nixon e Ford nos EUA. Entre 1970 e 1975, Nova York perdeu quase 500 mil empregos formais, com uma fuga de investimentos e negócios sem precedentes. Nos anos de 1973 e 1974, o município de Nova York praticamente decretou falência, vendo-se obrigado a reduzir os gastos públicos em infraestrutura, limpeza e segurança drasticamente. Mais de 20% do contingente de trabalhadores em áreas de serviços públicos e polícia foi dispensado, pois a cidade simplesmente não tinha como honrar seus compromissos.

O resultado deste muito alardeado corte foi pior que o esperado: simplesmente se espalhou rapidamente um sentimento de semipânico de que a cidade estava “entregue às traças”, fazendo com que os assaltos e homicídios tenham triplicado entre 1970 e 1975, e grandes áreas da cidade passassem a viver em limites mais elásticos de limpeza e cuidado. Nova York até era relativamente insegura, mas acima de tudo era aterradora, e muito suja. O auge dessa situação foi um blecaute geral que durou 72 horas em 1977, atribuído a diversas causas, em meio a uma greve da polícia.

Em 1975, voluntários distribuíam a quem chegava ao aeroporto da cidade um “guia de sobrevivência”, que recomendava não sair à noite e não andar no metrô, entre outras medidas que transitavam entre a precaução e o terrorismo.

Mas o que mais chamou atenção no caso de Nova York foi o rápido estopim da situação de crise, que afugentou negócios, pessoas e investimentos, fruto principalmente de governos que não souberam lidar com as dificuldades e semearam um sentimento de desleixo e insegurança que durou anos ao se declararem “impotentes diante da situação” e escancarar que os serviços públicos, inclusive de segurança, estavam muito comprometidos pela situação financeira e pela crise econômica, e seriam reduzidos. Ao não saber lidar com esse impacto na sociedade, agravaram uma situação que demorou décadas para ser revertida e controlada.

Essa é uma lição que ficou para a história. A distância entre saber lidar com crises, no sentido de debelá-las e controlá-las, ou simplesmente perder a mão e potencializá-las é tênue. A combinação de recessão prolongada, crise financeira das instituições, desleixo e insegurança pode ser fatal para uma cidade. E a sua estratégia de reversão exige envolvimento, liderança e muito mais do que mais do mesmo.

Gustavo Grisa, economista, é especialista do Instituto Millenium.
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