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arcabouço fiscal Haddad
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad.| Foto: Washington Costa/MF

Finalmente temos o texto do novo arcabouço fiscal. A análise cuidadosa do PLP 93/203 revela pelo menos 14 inconsistências, verdadeiras pegadinhas, escondidas nas sete páginas do projeto, com 11 artigos. Além dos pontos já abertamente comentados pela imprensa e por muitos comentaristas especializados em tributos e economia, existem pontos que requerem muita atenção da sociedade e de nós, seus representantes eleitos, que vamos decidir se o Brasil deverá caminhar por uma trilha que se prenuncia com muitas surpresas.

Entre os pontos pitorescos do texto encaminhado, encontra-se a opção de tornar opcional o contingenciamento, bem como o da descriminalização do não cumprimento de metas fiscais. A fé no gasto público como único motor capaz de promover o crescimento econômico e a geração de emprego e renda é a base de todo o arcabouço. Existe sempre a disposição de gastar como se não houvesse amanhã. Além da confusa metodologia de cálculo da variação real da receita, o texto chega a ser risível quando afirma que descumprir a meta não significa descumprir a lei que determinou a meta.

A presença de tantos detalhes implícitos, não revelados espontaneamente no texto do Novo Arcabouço, faz com que se acenda uma lâmpada amarela de desconfiança.

No entanto, as maiores surpresas se encontram na parcela implícita do texto do novo arcabouço. A definição da base de cálculo dos limites do novo teto de gastos esconde uma série de pegadinhas que precisam ser trazidas à luz para que se conheça a real natureza de suas consequências.

Em primeiro lugar, o projeto muda o foco da aplicação do teto do volume de pagamentos para o volume orçado. Parece ser uma simples mudança de conceito contábil, mas que na verdade traz um efeito significativo. Medindo o valor orçado no lugar do valor pago, jogamos para debaixo do tapete, ou melhor, para fora do teto, todo o estoque atual de Restos a Pagar, que são despesas contratadas em anos anteriores, mas que vão sensibilizar o caixa do Tesouro Nacional neste ano e nos anos vindouros. O estoque dessas despesas representa, segundo relatório do Tesouro, R$ 255 bilhões, os quais poderão ser pagos totalmente fora do novo teto.

A principal pegadinha do Novo Arcabouço Fiscal é tão sutil quanto ilegal. Da forma que está descrita a composição da base de cálculo – total de dotações primárias de 2023 – não houve a preocupação de se retirar o valor de R$ 145 bilhões que foram acrescidos, excepcionalmente, ao orçamento deste ano. Com isso, esse valor passa a compor os limites do novo teto em 2024 e em todos os anos seguintes. No entanto, a Emenda Constitucional 126/2022, em seu artigo 3º, salientou que essa concessão se restringia apenas ao orçamento de 2023. Ocorre que o Novo Arcabouço é uma proposta de lei complementar e não pode estender o benefício que a Constituição restringiu a apenas um ano. Se essa ilegalidade for aprovada até o final de 2026, segundo cálculos preliminares da minha assessoria, teremos um gasto adicional de R$ 810.8 bilhões.

Por fim, como esta lei complementar, se aprovada, terá o condão de revogar artigos da Constituição, sua publicação irá gerar alguns efeitos colaterais. Entre eles, alguns reforçam o processo de opção pelo gasto público que marca, de resto, todo o Novo Arcabouço. Os principais efeitos colaterais dizem respeito à mudança de regras de crescimento das despesas da saúde e da educação e das emendas parlamentares individuais, as quais deixarão de se limitar à correção da inflação para acompanhar o crescimento nominal da receita (RCL). A presença de tantos detalhes implícitos, não revelados espontaneamente no texto do Novo Arcabouço, faz com que se acenda uma lâmpada amarela de desconfiança, maculando o status de limite fiscal crível. Mas há quem acredite em duendes.

Oriovisto Guimarães é senador da República e líder do Podemos.

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