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Já se tornou notória a ideia de que o ciclista deve se deslocar pela direita da pista de rolamento, no sentido dos demais veículos, quando não houver faixa ou via exclusiva, ciclofaixa ou ciclovia. O fato de ciclofaixas serem colocadas do lado esquerdo das pistas já foi motivo de protestos (inclusive em Curitiba), o que não procede, pois a sinalização prevalece sobre a regra geral, segundo o artigo 89 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Nesse caso, a ciclofaixa poderia estar à direita, à esquerda ou até no meio da pista, inclusive com duplo sentido, e não haveria ilegalidade, apesar de algumas autoridades menos cautelosas terem feito coro a essa impropriedade.

Mas existe algum dispositivo legal no Código de Trânsito que estabeleça que bicicletas devam circular pela direita da pista quando não houver ciclovia, ciclofaixa ou acostamento, no caso das rodovias? Há apenas dois dispositivos legais no CTB que dariam suporte a essa reflexão: o inciso IV do artigo 29, e o artigo 58.

Vejamos o primeiro trecho: "IV – quando uma pista de rolamento comportar várias faixas de circulação no mesmo sentido, são as da direita destinadas ao deslocamento dos veículos mais lentos e de maior porte, quando não houver faixa especial a eles destinada, e as da esquerda, destinadas à ultrapassagem e ao deslocamento dos veículos de maior velocidade". A conjunção aditiva "e" implica que as duas condições devam ser atendidas, quais sejam, ser mais lento e de maior porte simultaneamente. A bicicleta não atende a nenhuma – nem individualmente, quanto mais simultaneamente. Os desafios intermodais estão aí para provar que, no trânsito intenso, a bicicleta não é o veículo mais lento; pelo contrário, consegue se manter numa velocidade média muito superior à dos demais veículos, e por vezes até a máxima. Quanto a ser o de maior porte, nem vamos comentar. Por esse dispositivo, a bicicleta não só não teria de ocupar a pista da direita como também não deveria.

Agora, o artigo 58: "Nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores". Gramaticalmente não está claro se a pista dupla se refere apenas às vias rurais ou também às urbanas, mas isso não compromete a reflexão, pois no caso de vias rurais (rodovias) já existe o acostamento, e nas rodovias a bicicleta tende a ser mais lenta conforme o dispositivo anteriormente citado. Mas o problema não está nelas, e sim nas vias urbanas; se elas forem de pista dupla, o bordo da pista fatalmente será do lado direito. Porém, nas vias de sentido único haverá bordo do lado direito e esquerdo, e nesse caso a bicicleta poderia circular em qualquer um deles, tanto na direita quanto na esquerda – lembrando, porém, que do lado direito já estariam os mais lentos e de maior porte.

Apesar de o CTB reservar um capítulo (o IV) aos pedestres e condutores de veículos não motorizados, tal capítulo faz uma única menção ao ciclista, e ainda para dizer que, estando desmontado (desembarcado da bicicleta), equipara-se ao pedestre. Ou seja, nada foi dedicado ao ciclista nesse capítulo da lei. Assim, fez-se necessário recorrer àqueles que tratam de veículos de forma geral, motorizados e não motorizados.

Nossa conclusão é que não há nenhum dispositivo legal que determine que, não havendo faixa ou via exclusiva ou acostamento, o ciclista deva circular pela direita.

Marcelo José Araújo, advogado e professor de Direito de Trânsito, é presidente da Comissão de Trânsito, Transporte e Mobilidade da OAB/PR.

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