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Mercadante posse BNDES
O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.| Foto: André Coelho/EFE

Após a posse do atual governo, um assunto retornou à pauta de discussões. O financiamento de obras de infraestrutura em países estrangeiros por parte do BNDES. Embora seja uma prática usual de bancos do tipo Eximbank (bancos que financiam as exportações de bens e serviços de empresas domésticas no exterior), esse tipo de operação envolve relativa polêmica no Brasil. Em particular por conta de financiamentos a obras de infraestrutura que ocorreram em países de governos socialistas (Venezuela e Cuba) e pela contratação de empresas brasileiras de construção civil envolvidas em escândalos de corrupção.

Essa prática pode ser particularmente relevante em países que têm interesses geopolíticos estratégicos no país que recebe o financiamento, como China e Rússia, que usam o financiamento de infraestrutura como uma ferramenta para expandir sua influência global. Por exemplo, a Iniciativa do Cinturão e Rota da China visa financiar projetos de infraestrutura em todo o mundo para promover a cooperação e a interconexão internacional, enquanto também aumenta a presença chinesa em outros países.

O mecanismo de financiamento a obras de infraestrutura no exterior pode ser uma outra face do capitalismo de compadrio que prevalece no Brasil.

Vale dizer que a retomada dessa discussão no Brasil se deu após a viagem do presidente Lula à Argentina e depois de pronunciamentos afirmando que o BNDES financiará o gasoduto patagônico, que visa transportar o gás de xisto extraído na Patagônia. No dia seguinte à afirmação, o BNDES se pronunciou negando que fará tal financiamento.

Parece claro, a partir de discursos como o proferido pelo presidente Lula junto ao colega argentino Fernández, que a orientação geopolítica do atual governo é retomar a influência regional do Brasil, em especial, a liderança de países governados por dirigentes vinculados à esquerda do espectro político. Isso porque esse tipo de operação pode ser vista como uma tentativa de expandir a influência do Brasil no país que recebe o financiamento, ao mesmo tempo em que aumenta as oportunidades de negócios para as empresas e fornecedores brasileiros.

Afora a questão política e geopolítica, quais seriam as vantagens e desvantagens econômicas associadas a tais tipos de operação? Uma das vantagens é que essa condição garante que as empresas e fornecedores domésticos sejam diretamente beneficiadas pelo financiamento da infraestrutura estrangeira. Isso significa que o dinheiro é investido de volta na economia do Brasil, aumentando as oportunidades de emprego e impulsionando a economia local. Além disso, as empresas credoras podem ganhar experiência internacional, o que pode ser valioso para expandir seus negócios globalmente.

Outra vantagem é que a condição pode ajudar a garantir a qualidade e a eficácia da infraestrutura construída. As empresas e fornecedores brasileiros podem ter maior know-how, garantindo que os projetos sejam executados com maior precisão e segurança. Isso pode ajudar a evitar problemas com construções mal realizadas e garantir que as obras de infraestrutura sejam mais duráveis e sustentáveis.

No entanto, existem também algumas desvantagens em impor essa condição. Uma das principais desvantagens não é em relação ao Brasil, mas aos países estrangeiros, pois pode limitar a competição no processo de licitação, resultando em preços mais altos para os países que recebem o financiamento. Isso pode ser especialmente problemático para países em desenvolvimento que podem não ter recursos para pagar preços mais elevados, comprometendo a viabilidade financeira de seus projetos de infraestrutura.

A imposição desta condição de beneficiar empresas brasileiras pode desencorajar os países em desenvolvimento a aceitar financiamento do BNDES, pois a condição pode ser vista como interferência nos processos de tomada de decisão por parte do Brasil. A prática também pode ser vista como uma forma de neocolonialismo, pois pode limitar a independência e a capacidade dos países que recebem financiamento de infraestrutura para escolher suas próprias empresas e fornecedores.

Por fim, do ponto de vista nacional esse tipo de operação pode ser criticada se garantir privilégios e vantagens de contratação às empresas que tenham maior influência política e capacidade de lobby em detrimento de outras empresas domésticas com condições e vantagens técnicas e financeiras. Ou seja, o mecanismo de financiamento a obras de infraestrutura no exterior pode ser uma outra face do capitalismo de compadrio que prevalece no Brasil.

Em resumo, a exigência de contratação de empresas e fornecedores do país credor pode ter vantagens e desvantagens para o financiamento de infraestrutura no exterior pelo BNDES. Porém, é preocupante que recursos oriundos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), geridos pelo BNDES, possam ser objeto de influência política. Investimentos no exterior que beneficiem a contratação de empresas domésticas não podem ser definidos a partir da vontade de dirigentes políticos ou alinhamento ideológico dos países receptores. Deveriam prevalecer os critérios de risco retorno, viabilidade econômico-financeira e garantias efetivas por parte dos países beneficiários. Os atrasos e os calotes das operações do metrô de Caracas e do porto de Mariel em Cuba deveriam servir de lições.

Vladimir Fernandes Maciel é coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica e professor do mestrado profissional em Economia e Mercados.

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