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Por que os benefícios sociais não acabam com a pobreza?

O Bolsa Família se agigantou desde a pandemia: o valor médio mais que triplicou e o número de famílias atendidas teve forte aumento
O Bolsa Família se agigantou desde a pandemia: o valor médio mais que triplicou e o número de famílias atendidas teve forte aumento. (Foto: Roberta Aline/MDS)

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O IBGE divulgou no dia 31 de outubro de 2025 os resultados da PNAD Contínua, pesquisa que mede o desemprego e a renda no Brasil, incluindo tanto trabalhadores formais quanto informais. Segundo o levantamento referente ao trimestre móvel encerrado em setembro de 2025, a taxa de desemprego ficou em 5,6%, o que representa aproximadamente 6,1 milhões de brasileiros sem ocupação. Embora o número indique estabilidade em relação ao trimestre anterior, o dado evidencia um fenômeno que passa despercebido: a dependência crescente de benefícios sociais como o Bolsa Família como fonte de renda.

Atualmente, 94 milhões de brasileiros recebem algum tipo de auxílio governamental, desde programas de transferência direta de renda, como o Bolsa Família, até auxílios assistenciais e benefícios eventuais. Isso significa que quase metade da população vive, total ou parcialmente, de recursos do Estado. Essa realidade revela um problema estrutural de incentivos: quanto mais o governo tenta combater a pobreza por meio de transferências, mais desorganiza o mercado de trabalho e a própria dinâmica produtiva.

O verdadeiro caminho para superar a pobreza não é manter milhões de brasileiros presos a auxílios, mas criar um ambiente de liberdade econômica, onde empreendedores possam investir, trabalhadores possam produzir e o esforço individual não seja confiscado pelo Estado

O Bolsa Família é o exemplo mais emblemático desse sistema. Trata-se de um dos maiores programas de transferência de renda do mundo, alcançando mais de 19 milhões de famílias. Seu objetivo supostamente seria reduzir a pobreza extrema. No entanto, é preciso avaliar os incentivos perversos que ele cria e as distorções de mercado que provoca.

A maioria dos beneficiários do programa possui baixa qualificação profissional. Isso significa que, no mercado formal, esses trabalhadores tenderiam a receber salários baixos. Quando a diferença entre a renda do trabalho e o valor do benefício é pequena, muitos concluem que vale mais permanecer no auxílio do que aceitar empregos precários. Não se trata de preguiça, mas da lógica econômica criada pelo próprio Estado: quando a recompensa pelo esforço é mínima, o cálculo individual favorece a inatividade.

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Esse fenômeno já é relatado por empresários de diversos setores, que enfrentam dificuldade para contratar mão de obra básica. Para muitas vagas de baixa remuneração, a concorrência do Bolsa Família torna-se mais atraente do que o mercado formal. Assim, o governo passa a competir com os empregadores, reduzindo artificialmente a oferta de trabalho e gerando uma descoordenação no mercado, resultado direto das distorções provocadas pela intervenção estatal.

Outro efeito pouco discutido está nas estatísticas oficiais de desemprego. Pelo critério do IBGE, só é considerado desempregado quem procura trabalho. Muitos beneficiários, ao avaliar que o salário oferecido não compensa, deixam simplesmente de procurar emprego. Na prática, estão fora do mercado, mas não aparecem na estatística. O resultado é um quadro ilusório de estabilidade, quando na realidade milhões de pessoas permanecem improdutivas. É mais uma distorção criada pelo Estado: manipula incentivos, gera dependência e ainda esconde parte do problema por meio das definições estatísticas.

O problema não para aí. O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias sobre empresas e trabalhadores. O empregador, sufocado por impostos e encargos, não consegue pagar salários maiores. O empregado, por sua vez, vê parte relevante de sua renda ser confiscada pelo Estado. O governo tributa tanto que impede patrões de remunerar mais e trabalhadores de receber melhor.

Dessa forma, cria-se um círculo vicioso. O Estado, ao tributar e regular excessivamente, destrói a capacidade do mercado de gerar salários altos. Depois, apresenta programas de transferência como solução para o problema que ele próprio produziu. O resultado é a dependência contínua, não a emancipação dos indivíduos.

É verdade que, em algumas regiões, o Bolsa Família gera um aumento imediato do consumo, estimulando pequenos comércios. Mas sem produtividade e liberdade econômica, a renda é insustentável. Além disso, programas permanentes de transferência, quando financiados por déficits ou expansão monetária efetiva, acabam pressionando os preços, pois o dinheiro chega diretamente ao consumo e corrói o poder de compra justamente dos mais pobres, aqueles mesmos que o Estado alega proteger.

Portanto, a crítica ao Bolsa Família não nega a necessidade de aliviar a pobreza imediata. O problema é que, em vez de atacar as causas estruturais, como excesso de impostos, encargos trabalhistas, burocracia e intervencionismo estatal, o governo mantém incentivos que perpetuam a dependência. Ao mesmo tempo, distorce o mercado de trabalho, manipula estatísticas e sabota a produtividade.

O verdadeiro caminho para superar a pobreza não é manter milhões de brasileiros presos a auxílios, mas criar um ambiente de liberdade econômica, onde empreendedores possam investir, trabalhadores possam produzir e o esforço individual não seja confiscado pelo Estado. Só assim a pobreza será superada de forma duradoura.

Vando dos Santos é economista e mestre em Economia pela Universidad de las Hespérides (Espanha).

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