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O futuro do bolsonarismo continua a intrigar analistas e a dividir opiniões. Há quem o veja como um fenômeno já em declínio, fadado a desaparecer junto com o líder. Outros acreditam que a marca deixada por Jair Bolsonaro está longe de se apagar. O fato é que o bolsonarismo não é um partido disciplinado nem uma estrutura organizada. É, sobretudo, um personalismo que encontrou milhões de brasileiros dispostos a segui-lo e que, mesmo após a inelegibilidade do ex-presidente, ainda resiste como corrente política.
Esse fôlego não nasce de gabinetes ou de arranjos institucionais formais. Ele se sustenta em canais concretos que funcionam com relativa autonomia. As redes sociais continuam a ser o grande palco da militância, com vídeos, cortes e transmissões ao vivo que reverberam diariamente. A família Bolsonaro ocupa espaços estratégicos, mantendo o sobrenome em evidência no Congresso e em assembleias estaduais. Parlamentares, governadores e prefeitos eleitos sob a sua bandeira replicam o discurso nos territórios que comandam. E, acima de tudo, há uma base social fiel, que se identifica com pautas de costumes, segurança, religiosidade e crítica às instituições.
O verdadeiro teste está em saber se o bolsonarismo terá a capacidade de se renovar e de manter sua base mobilizada, independentemente da presença do líder no pleito
Nesse cenário, o centrão cumpre o papel que sempre lhe coube na política nacional – é o rio que deságua no mar do governo. Estava com Bolsonaro enquanto ele era presidente e seguirá fluindo para onde o poder estiver. Sua adesão ou afastamento não define o destino de um movimento personalista, mas ajuda a compor as maiorias que dão estabilidade a qualquer governo.
A comparação com Lula é inevitável. Ele é o exemplo maior de personalismo no Brasil contemporâneo. No entanto, enquanto Bolsonaro nunca conseguiu transformar seu carisma em partido sólido, Lula sempre teve o PT como base organizada. O petismo se institucionalizou e sobreviveu mesmo nos momentos mais difíceis, como na prisão do ex-presidente. Já o lulismo, entendido como o carisma pessoal de Lula, permaneceu intransferível. Dilma Rousseff, Fernando Haddad e outros nomes jamais conseguiram encarnar essa herança. E aqui está um ponto crucial: Lula parece nunca ter tido interesse em criar herdeiros. Prefere manter sob seu controle direto a condução política, garantindo que ele próprio continue a ser a figura central do projeto.
A história, dentro e fora do Brasil, ajuda a iluminar os caminhos possíveis para o bolsonarismo. O janismo, nos anos 1960, desapareceu quase de imediato após a renúncia de Jânio Quadros. O collorismo não sobreviveu ao impeachment de 1992, e o ex-presidente voltou como ator regional, sem expressão nacional. São exemplos de personalismos que se apagaram porque não tiveram herdeiros nem estrutura mínima de sustentação.
Na Europa, regimes como o salazarismo em Portugal e o franquismo na Espanha também se dissolveram após mudanças institucionais profundas. Restaram apenas resquícios sociológicos, sem tradução em força partidária. Por outro lado, a América Latina oferece exemplos distintos. O peronismo na Argentina atravessou décadas, reinventando-se com novos líderes e mantendo centralidade na política nacional. O fujimorismo no Peru seguiu caminho parecido – mesmo após a prisão de Alberto Fujimori, sua herança política sobreviveu com presença parlamentar e a liderança de sua filha Keiko.
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É nesse ponto de encruzilhada que se encontra o bolsonarismo. Se permanecer dependente apenas da figura de Jair Bolsonaro, pode seguir o destino de Collor e Jânio, tornando-se um ciclo encerrado. Mas se os canais que hoje o alimentam conseguirem se articular em torno de novos nomes, capazes de herdar votos e dar forma a um projeto, o movimento pode se transformar em tradição duradoura, como o peronismo e o fujimorismo.
O verdadeiro teste está em saber se o bolsonarismo terá a capacidade de se renovar e de manter sua base mobilizada, independentemente da presença do líder no pleito. A história ensina uma lição inequívoca: personalismos que não encontram substitutos desaparecem cedo – mas os que conseguem se reinventar e gerar herdeiros atravessam gerações.
João Zisman é jornalista e economista com pós graduação em Gestão Pública..
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



