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A sociedade brasileira convive com índices de violência alarmantes, muito acima dos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de dez assassinatos para cada 100 mil habitantes. Vivemos diante de uma verdadeira epidemia de crimes violentos que praticamente todos os anos ceifam a vida de aproximadamente 50 mil pessoas no Brasil. Fazendo um breve comparativo, nos EUA as vítimas de assassinatos giram em torno de 19 mil por ano, em que pese a população americana ser 50% maior que a brasileira.

Os números trazidos à baila evidenciam que o Estado brasileiro padece de uma política de segurança. As cifras de assassinatos computados pelo aparato de segurança pública não são confiáveis, pois muitos delitos são camuflados por diversos subterfúgios num claro intuito de maquiar os índices de crimes contra a vida; portanto, é de se presumir que os indicadores sejam muito maiores que aqueles apresentados para nossa sociedade.

Vivemos um verdadeiro paradoxo no enfrentamento a violência, pois o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo – 715 mil detentos, mais que o dobro das vagas existentes nos presídios brasileiros. Nossos presídios são verdadeiras masmorras que datam do período medieval, sem falar dos depósitos de seres humanos em que se tornaram muitas delegacias de polícia cuja função encontra-se totalmente deturpada diante das mazelas do sistema prisional. Parcela significativa dos indivíduos encarcerados já tem benefícios para responder a suas penas em liberdade, não fossem os entraves burocráticos da Justiça. A soltura de pessoas encarceradas segue um lento caminho pelas vielas de tribunais e do sistema prisional, principalmente para os descamisados.

Seguindo as premissas do filósofo inglês Thomas Hobbes, o Estado Leviatã possui o monopólio da violência. Em nome do bem-estar de outras pessoas, o aparato do sistema de justiça criminal pode tolher dos indivíduos o seu segundo bem maior depois da vida, que é a liberdade. No entanto, isso não significa que os indivíduos encarcerados devam abdicar de sua dignidade humana. Infelizmente não é o que observamos na prática, pois rotineiramente os noticiários estampam as barbáries que ocorrem dentro dos muros dos presídios brasileiros.

Nessa trilha de horrores, o Presídio de Pedrinhas, no estado do Maranhão, é emblemático. Ele ganhou repercussão mundial em decorrência das dezenas de assassinatos cometidos por detentos contra seus próprios pares também encarcerados. Os requintes de perversidade utilizados – decapitação e mutilação de corpos – foram documentados pelos próprios internos através de fotos e vídeos que ganharam a rede mundial de computadores, causando comoção no mundo inteiro. As execuções sumárias verificadas em Pedrinhas não são algo novo, pois no ano passado alguns presos tiveram o mesmo fim trágico, sem que as autoridades tomassem qualquer providencia para evitar a repetição das barbáries. Os crimes de assassinato em Pedrinhas não acabaram, e parece que a medida mais efetiva tomada pelos governantes foi a retirada dos aparelhos telefones para impedir que as imagens dantescas das vítimas não traspusessem os paredões do presidio.

É inconcebível que a sexta economia do mundo, que se regozija de construir estádios faraônicos para jogos de futebol – padrão Fifa –, jogue para debaixo do tapete todas as mazelas do nosso atual sistema de justiça criminal. Devemos ser honestos em dizer que os fatos ocorridos em Pedrinhas estão longe de ser os únicos no Brasil. A barbárie em cárceres brasileiros pode ser constatada em praticamente todos os estados da federação. Resultado de tudo isso é uma verdadeira legião de órfãos e viúvas que tentam entender o que aconteceu com seus familiares, que perderam a liberdade acusados de cometerem crimes e posteriormente foram assassinados de forma sumária sob a tutela do Estado.

Gilson Marciano de Oliveira, investigador da Polícia Civil do Paraná, é mestre em Filosofia pela PUCPR e autor do livro A agressão humana.

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