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Coronavírus.
Imagem ilustrativa.| Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

O povo já tem clara noção de que o ácido desoxirribonuleico (DNA) é o depósito da informação genética dos humanos, animais, plantas, enfim, de todos os seres vivos. O DNA de qualquer célula viva pode ser replicado, gerando uma segunda molécula idêntica; e também pode ser transcrito (convertido em RNAm, “mensageiro”), uma vez desfeito o enovelamento das duas cadeias ou fitas da dupla hélice do DNA, e finalmente traduzido, ou  seja, consolidada a criação de um cordão ou rosário proteico, seja a hemoglobina do sangue, seja um hormônio como a insulina, seja uma enzima digestiva como a pepsina estomacal.

Há uma estrutura sofisticada em cada partícula infecciosa viral englobando o RNA específico do Sars-CoV-2 e distintos tipos de proteínas e enzimas complementando o mecanismo de ação do coronavírus. Per se, o vírus não tem a capacidade de se multiplicar. Somente o faz quando se adentra a uma célula-vítima hospedeira. Os “espinhos” glicoproteicos S do vírus atuam como arpões para se fixarem nos receptores ACE2 da célula humana ou animal sob ataque. Injetado o RNA invasor, logo ele se replica e multiplica, recriando todo o arsenal lipoproteico, glicoprotêico e protêico necessário a novas partículas virais.

Postas estas breves considerações, é tempo bom para focar na estrutura do coronavírus a RNA (cadeia ou fita única, RNAss), portanto diferente do vírus da gripe, baseado em uma dupla hélice de DNA. O Sars-CoV-2 causa um tipo especial e mais daninho de infecção pulmonar (Sars, sigla em inglês de Severe Acute Respiratory Sindrome), daí a lamentável taxa de mortalidade por ele basicamente causada e agravada por outras comorbidades como asma, hipertensão arterial, obesidade, diabetes e pneumonia bacteriana, dentre outras.

Brevemente, uma vez que o diminuto coronavírus de 120 nanômetros atinge tecidos mais vulneráveis via nasal ou bucal e se adentra às células, percorre ele uma jornada mais curta para se multiplicar celeremente (sendo ele mesmo um RNAss) ao uso da maquinaria sintética da célula antes saudável (ribossomas e acessórios). Os “espinhos” maliciosos S do coronavírus se fixam a inocentes receptores criados para acolher outros ligandos naturais na superfície de tecidos humanos mais expostos (fossas nasais e mucosa bucal), e esta ancoragem permite a injeção do letal RNA antes oculto na partícula viral. Para sua classe, a dos RNA-vírus, este corona tem uma carga molecular genética mais elevada: entre 26 a 32 kilobases (1 kb = 1 mil), bases nitrogenadas estas em que a cada trio corresponde um aminoácido – portanto, um arsenal suficiente para sintetizar, à custa de células até então saudáveis do hospedeiro (homens, morcegos, caninos, felinos, camelídeos), todas as proteínas, enzimáticas ou não, necessárias à montagem em série de milhares de novas unidades virais infeciosas.

Um parâmetro de maior importância e que permanece ainda obscuro é a carga viral ou número de partículas virais que acarretem tanto a infecção quanto a mortalidade. Há inúmeros fatores em jogo, tais como idade da vítima, corpo saudável ou sujeito a comorbidades, medidas profiláticas ou terapêuticas, dentre outros. Depoimento de vários cientistas à revista New Scientist e ao jornal New York Times assumem que é uma tarefa difícil estabelecer as doses infectivas reais (carga viral) de Covid-19 para humanos, seja pela proibição ética de se manipular pessoas, seja pela imprecisão da captura do exato momento da infecção, lembrando que predomina a fatia majoritária de qualquer população que é resistente ou pelo menos portadora assintomática. A isto se soma também a sabida maior resistência de crianças e jovens ao vírus, contraposta à facilidade de infecção de idosos. A carga viral, todavia, pode ser bem estabelecida em cobaias, sobretudo com o uso de técnicas bioquimicamente precisas (ou seja, quantitativas), como é o caso da Reverse Phase – Polymerase Chain Reaction (RT-PCR), que sejam imediatas a outros testes qualitativos como o das imunoglonulinas (IgG, IgM e IgA). É o experimento basal do tipo dose-resposta, aferindo-se dos resultados qual é a dose média estatisticamente confiável (números de particulas) capaz de produzir sintomas persistentes tais como febre, deficiência pulmonar, diarreia ou, em caso extremo, a morte da cobaia em um faixa estreita e bem determinada de tempo (horas ou dias). Os cientistas ainda sugerem que algumas centenas de partículas virais seriam suficientes para decretar a doença medida no conjunto de seus sintomas, enquanto outros elevam esta carga para alguns milhares, por conta da variedade de coronaviroses. De qualquer forma, a letalidade média universal até agora aferida é de 30 a 40 óbitos para casa  mil infectados, enquanto na gripe convencional, que se repete ano a ano, este índice é bem mais reduzido e em torno de 1.

Dado o caráter de pandemia – ocorrência universal com acentuada variação, país a país, de numero de infectados aos milhões e de número de óbitos aos milhares –, a epidemiologia (compreensão plena de todos os aspectos de uma doença) segue em regime de parcialidade, posto que há progresso, mas ainda não um total aperfeiçoamento dos protocolos de tratamento, sejam os profiláticos (preventivos), sejam os terapêuticos (cura). Dentre os primeiros, alinha-se obrigatoriamente a lavagem frequente das mãos e antebraços com sabão e/ou álcool a 70% e o uso de máscaras que cubram bem o nariz e a boca, preferencialmente de tecido impregnado com íons de prata. Idealmente, a proteção dos olhos também é desejável, seja por óculos (de grau ou não), seja pela máscara-folha-de-acetato transparente, aquela parecida com a máscara de operário soldador.

Quanto aos tratamentos médicos propriamente ditos (pré-estabelecida a enfermidade com o teste de coleta nasal para imunoglobulinas – IgG e igM – seguido de RT-PCR positivo), há um elenco de drogas cuja confiável avaliação ainda se acha no regime de testes e, aqui sem ordem sequencial de adoção ou combinação: os antiparasitários ivermectina, nitazoxanida e (hidroxi)cloroquina, azitromicina (antibiótico), corticoides anti-inflamatórios (dexametasona), enoxaparina sódica (anticoagulante), vitamina D, sais de zinco e magnésio (cofator de elementos de reação) e, nos países mais desenvolvidos, um concentrado de imunoglobulinas induzidas a partir de soro equino e drogas de última geração tais como o Remdesivir – antes desenvolvido para tratamento contra outro vírus terrível, o Ebola –, como tratamento isolado ou combinado a interferon, visando um sinergismo ou superaditividade. A abordagem terapêutica a ser conduzida por médicos infectologistas pode ainda incluir manobras e procedimentos do tipo pronação; entubação para a ventilação mecânica e, portanto, forçada; e mesmo traqueostomia e hemodiálise. Embora não se descarte o dano celular e tissular em outros tecidos, são, via de regra, mais atingidos os pulmões por conta dos microágulos e, consequentemente, disfunção alveolar.

Popularmente também é sabido o conhecimento popular no sentido de se evitar, de todos os modos, o contato das pessoas com as microgotículas da tosse, espirro e beijos, lembrando que a maioria das pessoas é portadora da Covid-19 na qualidade de portadores sãos. Emma Hammett, no BDJ Team, afirma que o coronavírus pode sobreviver por três horas quando expelido ao ar ou contaminando moedas que contenham cobre; se depositado em papelão, até 24 horas, prazo que pode se estender a até 72 horas se a superfície é plástica ou em aço inox. A desinfecção de superfícies e objetos deve ser levada a cabo com álcool etílico (etanol) entre 62% e 71% v/v, ou seja, três partes de álcool e uma de água fervida. O aspecto gelatinoso e oclusor de bolha de ar devido ao carbopol presta-se mais ao efeito positivo visual da mistura. O que destrói o vírus, de fato, é etanol na concentração certa, desnaturando as proteínas e enzimas e mesmo a camada dupla lipídica envoltória da partícula viral. Mesmo efeito é provocado por sabão e lavagem paciente. Pessoas mais prudentes estão aplicando esta lavagem seguida daquela com álcool a 70%. Para equipamentos, é aceitável álcool isopropílico (isopropanol) também a 70%.

No mais, a grande esperança da humanidade e dos profissionais da saúde pública mundo afora é a vacina anti-Covid-19.  Diga-se “19” pois pouco ou quase nada se sabe, ainda, da capacidade de o vírus entrar em mutação ou vir a ser sucedido por algum “20” com menor ou mesmo maior capacidade infectiva. Algo do tipo de que já ocorreu com a anemia (hemoglobínica) falciforme. As estatísticas mundiais para esta ainda incontrolada Covid – é possível que algum seu derivado tipo 19A ou 20 explique por que a Noruega vai sacrificar milhões do roedor vison – são um grito de alerta para a emissão, por parte da Organização Mundial de Saúde, de um livreto multilíngue que cumpra, com eficiência vacinal, a educação dos bilhões de habitantes do planeta. Prevenir (profilaxia) sempre foi melhor do que remediar (terapêutica).

A Covid-19 não escolhe país, credo, raça ou preferência ideológica da cabeça do corpo do qual vai tomar conta. Pior: alguns países fortemente afetados em termos de mortes, tais como Espanha, França, Inglaterra e Itália, por terem afrouxado muito cedo a questão do confinamento doméstico e do afastamento interpessoal, já estão pagando a pena de uma segunda onda pandêmica. Será a mesmíssima Covid-19 ou alguma mutação ainda pior? O que pensar, para se fixar em apenas um exemplo nacional, das praias e botecos cariocas e suas vultuosas aglomerações? De qualquer modo, as estatísticas induzem a uma curiosidade acentuada: como a China, com 9,33 milhões de km2 e 1,44 bilhão de habitantes, exibe apenas uns 86 mil casos e 4,6 mil óbitos ? Afinal, foi lá, na cidade de Wuhan, o epicentro da Covid-19: trata-se de metrópole da China central com mais de 11 milhões de habitantes. A falta de liberdade de imprensa endossa esta parca estatística. No mais, a China vai muito bem e em 2020 seu PIB deve ultrapassar o dos Estados Unidos. De qualquer forma, os 6.487.516 casos e 175.307 óbitos no Brasil pela Covid (segundo dados de 4 de dezembro do Worldometers Coronavirus) têm sido uma lição amarga e assustadora para todos os brasileiros e trabalho profissional dos mais intensos para os infectologistas, enfermeiras(os), farmacêuticos e outros profissionais afins da epidemiologia e Vigilância Sanitária.

Infelizmente, no Brasil a urgente e necessária vacinação assumiu 50 tons de negro por conta da disputa inconsequente entre São Paulo e Brasília, Instituto Butantan versus Fiocruz – ou, para nominar os touros políticos, Messias versus Dória, ambos de olho no trono de 2022. A ciência, tecnologia e inovação não progrediram tanto assim a ponto de descartar a opinião de valor da gigante Merck e seu lendário cientista Maurice Hilleman na geração de vacinas, quando a imunização contra a caxumba requereu quatro anos de intenso labor. O apressado sempre comeu cru e paga o preço de alguma diarreia; por vezes, até uma cruenta disenteria.

Os proprietários ou sócios das grandes indústrias farmacêuticas, nesta competitiva azáfama de produzir vacinas a toque de caixa de menos de 12 meses, que assumam sua indissimulável plutomania em vez do discurso filantrópico. O povo brasileiro tem pleno direito e merece que todas as etapas de aferição de qualidade vacinal sejam bem cumpridas no tocante à eficácia, durabilidade da imunidade e ausência de efeitos secundários indesejáveis. Ou seja, um carimbo realmente verde da Anvisa para a melhor vacina não importando ser ela verde-amarela, azul ou vermelha. Politizar (depreciativamente) esta questão é criar um desserviço à nação. Já bastam as ideologias de gênero, cor e religião.

José Domingos Fontana é professor emérito da UFPR e 11.º Prêmio Paranaense em C&T.

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