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Brasil x EUA: quando a política destrói pontes e levanta barreiras

Donald Trump e Lula elevam tensão em razão de tarifaço, Moraes e Bolsonaro (Foto: Jonas Roosens/EFE/EPA / Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)

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Uma simples correspondência diplomática foi suficiente para desencadear uma crise de confiança entre o Brasil e os EUA. Na carta enviada a Brasília, Donald Trump não apenas pediu a interrupção imediata do julgamento de Jair Bolsonaro, como anexou uma ameaça direta: tarifas de 50% sobre produtos brasileiros caso sua exigência não fosse atendida. Essa ação, embora aparentemente pontual, revela o quão vulnerável é o equilíbrio econômico global quando decisões políticas e judiciais passam a ser instrumentalizadas como peças de barganha no comércio internacional.

A economia contemporânea é fortemente interconectada. Uma elevação tarifária dessa magnitude compromete cadeias produtivas inteiras, reduzindo a competitividade dos produtos nacionais, afetando margens de exportadores e pressionando custos internos. O efeito imediato seria a valorização do dólar, com impactos diretos na inflação e na taxa de juros. Esse cenário gera um ambiente de maior aversão ao risco, inibindo investimentos estrangeiros e ampliando a percepção de instabilidade institucional. Mercados financeiros, que precificam expectativas, rapidamente reagem negativamente a qualquer sinal de ruptura na previsibilidade das relações comerciais.

Mais grave é a sinalização de precedentes. Quando se abre espaço para que instituições soberanas – como o Poder Judiciário – sejam alvo de chantagens políticas externas, a credibilidade jurídica do país é colocada em xeque. E credibilidade é um ativo intangível, mas central para reduzir prêmios de risco e atrair capital produtivo.

Na prática, investidores passam a incorporar um “custo Brasil” ainda mais elevado, refletido em taxas de financiamento mais caras e em uma menor disposição para projetos de longo prazo. A deterioração não é apenas conjuntural, pode gerar efeitos estruturais de médio e longo prazo.

Além disso, há uma dimensão sistêmica: usar tarifas como instrumento de pressão política fragiliza o arcabouço multilateral construído para dar estabilidade ao comércio global.

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Ao desconsiderar regras da Organização Mundial do Comércio, os Estados Unidos abrem espaço para que outras nações adotem medidas similares, alimentando um ciclo de retaliações que reduz a eficiência das trocas internacionais. Para um país como o Brasil, cuja pauta exportadora é concentrada em commodities e depende de acordos previsíveis, essa erosão institucional é particularmente nociva.

Nesse contexto, a reação brasileira deve ser cuidadosamente calibrada. Retaliar com medidas tarifárias ou recorrer a instâncias multilaterais, como a OMC, é um caminho legítimo, mas que exige tempo e diplomacia estratégica.

O pior cenário para o Brasil seria agir de forma precipitada, aprofundando a instabilidade. Em situações como essa, é fundamental manter a separação entre política doméstica e relações comerciais, preservando a integridade institucional e, sobretudo, demonstrando ao mercado internacional que o país não se submeterá a pressões que coloquem em risco a segurança jurídica interna.

No fim, esse episódio evidencia uma verdade recorrente na história econômica: crescimento sustentável exige previsibilidade política, estabilidade institucional e respeito a regras claras. Quando esses pilares são corroídos por disputas ideológicas, os impactos vão muito além de tarifas, afetam a confiança, o investimento e a capacidade de geração de riqueza. Reconstruir essa confiança, uma vez abalada, é sempre mais caro do que qualquer negociação diplomática.

Hugo Garbe, é doutor em Economia e professor do Mackenzie.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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