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Opinião do dia 1

Cada enxadada, uma minhoca

As sucessivas denúncias envolvendo desmandos no Senado Federal lembram o velho ditado caipira: cada enxadada que se dá, vem uma minhoca nova. Não há assunto que se investigue com um mínimo de profundidade, que não renda uma minhoca, e das grandes: um senador aproveita os já discutíveis créditos para passagens aéreas e aluga jatinhos; outro, num arroubo de pai, entrega seu celular funcional para a filha levar em uma viagem ao exterior, como se não existissem celulares em que a conta é paga pelo próprio usuário; a filha de um ex-presidente é flagrada sem trabalhar na Casa e ainda confirma em tom belicoso:"não vou lá porque aquilo é uma bagunça!". Qual de vocês, pacientes leitores, se deixou levar por um arroubo de pai amantíssimo e emprestou o celular pago por seu empregador para seu filho se manter em contato com a família e os amigos? E quem de vocês, deixou de frequentar a firma que lhes paga o salário, porque "aquilo é uma bagunça"? Seria cômico, se não fosse constrangedor. Como, porém, tudo pode ter seu lado positivo, isso prova que a luz do sol começa a iluminar recantos escuríssimos da vida pública e a desvendar segredos guardados a sete chaves pela complacência cúmplice ou pela omissão conveniente. Como disse certa vez em uma sentença o Juiz da Suprema Corte americana Louis Brandeis, "a luz do sol é o melhor desinfetante".

Sou profundamente cético em relação aos mecanismos convencionais de controle público e entusiasta daquilo que os especialistas chamam de "fishbowl policy", a política do aquário. Aqueles que ocupam funções públicas devem se sentir como um peixe dentro de um aquário transparente, sempre à vista de seu dono, para o qual nunca terá segredos; O peixe tenta se esconder, se embrenha naqueles castelinhos cafonas que todo aquário tem , olha para o lado e lá está a cara do dono. Nada para o outro lado do castelinho, se refugia atrás de umas pedras e cadê a privacidade? O dono está lá fora atento, vendo tudo. Só há e haverá uma forma de assegurar mais e mais probidade na vida pública e esta consiste em fazer da política brasileira um aquário cada vez maior e mais transparente.

Curiosamente, na vida privada, o problema é exatamente o inverso. As pessoas comuns, hoje em dia, têm a sua vida privada devassada com facilidade e desenvoltura crescentes e isso representa um risco para as sociedades democráticas. A imprensa especializada noticia, por exemplo, que os mais modernos celulares permitem aos operadores das redes telefônicas identificar instantaneamente o local em que alguém se encontra em uma cidade, o que permitirá um mapeamento quase que exato de preferências, hábitos e padrões de conduta dos clientes. Em outras palavras, a materialização perfeita do Big Brother (o de George Orwell, não o do Pedro Bial). É por isso que em algumas cidades do mundo, os legisladores tentam impedir sistemas como o Google Earth de filmar as ruas, as casas, as pessoas. Imagens "desabonadoras" de alguém podem ser um poderoso instrumento de chantagem e de intimidação na mãos de pessoas inescrupulosas. Às vezes, são problemas que afetam ou estremecem as relações familiares. Na Inglaterra, uma determinada internauta começou a bisbilhotar a casa de uma de suas melhores amigas e o que ela viu estacionado discretamente na vizinhança? O carro de seu marido, que supostamente estava viajando.

Uma revelação desse tipo, que só interessa ao casal, fará, no máximo, engrossar estatísticas de divórcios; mas a vigilância de alguns lugares poderá ser utilizada para expor comportamentos, hábitos e condutas de alguém que se queira destruir publicamente: seus hábitos etílicos, sua eventual dependência de drogas, suas amizades e conhecimentos, os médicos que frequentam, as cartomantes e quiromantes em que acreditam. Quando afetarem o desempenho público das pessoas, é até aceitável que venham à tona. Mas muitas dessas coisas deveriam ficar confinadas naquilo que os países civilizados definem como a esfera privada e inviolável das pessoas, o direito a não ter de ver exposto à luz do sol, aquilo que só diga respeito a elas próprias.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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